E a nota professor?

Estava sentada entregando os resultados das primeiras verificações: um teste subjetivo e um relatório de visita a uma escola Entregavam individualmente e conversava com cada aluno sobre suas dificuldades e progressos. Alguns conseguiram apropriar-se do conhecimento e elaborar um relatório bem estruturado, inclusive apontando sugestões para a próxima atividade. Na oportunidade, fui entregando as notas pelos trabalhos. Foi aí que alguns alunos se manifestaram:
-Professora, eu tirei uma nota cinco (5). Não é possível. Eu estudei muito e não consegui tirar um oito (8). Poderia fazer um trabalho valendo três pontos? Se eu fizer, fico na média.
Outro aluno falou;
-É isso aí, eu não quero ir para a prova final. Dá um jeito professora! Quebre o galho e passe um trabalho para melhorar a nota...
Continuando outra aluna falou num tom manhoso:
- O professor X passou um trabalho para a gente alcançar à média. Por que a senhora não faz como ele? Tem algum problema?
Engoli seco. Essas propostas ainda me incomodam profundamente. Respondi tranqüilamente, muito embora ainda lamentando o equívoco.
-Bem, penso que há um engano aqui. Em primeiro lugar, defendo a idéia de que, quando se atribui uma nota, se está qualificando um resultado. Portanto, no meu entendimento de avaliação não se recupera nota dando pontos. Mas sim ensejando novas condições de aprendizagem. A avaliação é diagnostica na medida em que possibilita ao aluno dar-se conta de que precisa estudar para superar suas dificuldades indicadas. Enquanto isso o professor deve sinalizar que a turma tem dificuldade e avaliar também o seu desempenho. Portanto, caso desejem superar suas dificuldades, vamos fazer outro teste dos mesmos conteúdos, novas visitas e outros relatórios. Caso eu não tenha sido clara estou querendo elucidar as dúvidas. Quem deseja melhorar seu desempenho terá que percorrer o mesmo trajeto, mesmo que utilize outros instrumentos se os indicados não forem adequados as suas peculiaridades. Concordam? E isso eu mencionei porque o tempo de entregar os resultados ainda não se esgotara.
Alguns alunos que se sentiram prejudicados refutaram:
-De jeito nenhum. A nossa proposta é fazer um trabalho de qualquer tema para melhorar a nota- já expressando aborrecimento pela situação e demonstrando inquietação;
Mantendo a calma porque já sabia que não era de bom tom negligenciar minha emoção, mesmo porque esse é sem dúvida um fato mais do que comum, falei:
-Muito bem. Aqueles alunos que não estão na mesma situação podem sair que eu preciso resolver esse problema. Falei, dirigindo-me à turma.
Silencio total. Os alunos foram saindo rapidamente. Ficaram na sala uns dez alunos, com notas que variavam de 4 a 6.
-Sinto muito pelo constrangimento, mas quero que entendam o seguinte. Vocês estão aqui para aprender. Meu papel é facilitar a aprendizagem do aluno que é intransferível. Costumo dizer para meus alunos que não negocio conhecimento. Percebem o que quero dizer? Não faço trocas, não comercializo notas. Mas estou aqui para ajudá- los no que for preciso. Esclareço as dúvidas, indico a bibliografia necessária, atendo individualmente.

- Isso é conversa fiada! Porque a senhora quer ser diferente?

- Fazer a diferença é uma ousadia. Mas na verdade não estou sendo incomum. Estou procurando ser coerente. Comece logo hoje a pensar que há outras maneiras de superar as suas dificuldades. Podemos conversar.

- Bem professora, com a senhora não adianta mesmo. Dizendo isso, saiu empertigado e resmungando sua decepção. Os outros alunos o acompanharam certamente insatisfeitos.

Deixei a sala pensativa. Perguntava-me sobre o que na verdade importava para os alunos? Aprender? Ter um diploma? Qual seria a nossa contribuição? Como desenvolver uma ação pedagógica comprometida com a aprendizagem do aluno? O que fazer com essa rotina acadêmica de passar trabalhos para melhorar notas? Como essa prática pode contribuir para formar alunos críticos e criativos? Cidadãos? Profissionais competentes? Detentores do conhecimento? Lembrei-me de Rubens Alves, ao referir sobre a formação do educador daquilo que poderíamos ser se não tivéssemos sido domesticados em Conversas com quem gosta de ensinar
Ao chegar à sala dos professores, tomando um cafezinho, silenciosamente pensei. Quem sabe a minha postura poderia servir de reflexão para meus alunos? Era uma incógnita. Mas eu tinha uma certeza, como educadora, de que não desistiria de minhas convicções.

 
Regina Barros Leal
Enviado por Regina Barros Leal em 01/12/2020
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