O CENTRO DE SANTOS: A BIBLIOTECA MUNICIPAL

O CENTRO DE SANTOS: A BIBLIOTECA MUNICIPAL

Ocasiões inesquecíveis de uma infância que adoro recordar. Visitas ao centro de Santos com minha mãe. Sempre moramos na Praia Grande ou em São Vicente. Quando pequeno, uma ou duas vezes por ano íamos ao centro comprar roupas. Minha mãe escolhia vários sapatos e acabava por não comprar nenhum, pois não gostara dos modelos. Após três ou quatro lojas, terminava por comprar. Eu morria de vergonha ver os vendedores ficarem contrariados. Havia uma loja de departamentos em um prédio de três andares, localizado atrás da Prefeitura: eram as Lojas Gomes. Tinha roupa para todas as pessoas, todos os tamanhos e idades. Invariavelmente, após as compras era obrigatório um lanche nas Lojas Americanas, o Mac Donalds da época. Em minha formatura do curso ginasial, minha mãe foi comigo comprar um terno e foi uma ocasião engraçada. Após as Lojas Gomes, seguindo pela Rua General Câmara, havia umas lojas que vendiam ternos. Experimentei vários ternos, como dona Zeny não gostara de nenhum, o vendedor trouxe um modelo em linho puro de cor azul claro. Minha mãe perguntou o preço, o vendedor falou “-Seiscentos”, um valor muito acima dos outros. Minha mandou marcar as bainhas e disse que levaria o terno de linho. Eu ainda tentei dizer a ela que era um absurdo comprar um terno tão caro. Minha mãe não deu bola, mandou embrulhar. O vendedor falou o preço, minha mãe, ficou irritada e brigou dizendo que ela tinha escutado duzentos, após um pequeno barraco, saímos da loja. Sem o terno.

Tempos depois, fui diversas vezes ao centro de Santos, mas sozinho e tenho boas lembranças de Biblioteca Municipal de Santos. Ficava no piso térreo do edifício do Paço Municipal. Era o Pronto Socorro Intelectual dos estudantes, que para lá ocorriam para pesquisar trabalhos de colégio. Você chegava ali com um caderno e uma caneta na mão, uma grande apreensão para conferir se o tema de seu trabalho seria localizado. Subia as escadas do belo edifício do Paço Municipal, ao invés de dois guardas municipais de cara fechada, encontrava um porteiro que indicava a localização da Biblioteca Municipal. Seguia ao lado direito da escada do térreo, dobrava à direita e, à sua direita, por uma linda porta de duas folhas em madeira entalhada, alcançava um verdadeiro santuário da cultura da época. Prateleiras cheias de livros até o teto, você tinha a impressão de ter acessado outro mundo. Uma senhora lhe atendia atrás de um pequeno balcão e gentilmente lhe indicava: “-Cultura Maia? Procure no terceiro nível da prateleira três. Aquela ao lado da porta.” Ou qualquer coisa assim. Lá ia você entrar na História do povo Maia, suas lutas contra os espanhóis, suas lendas e seus reis. Escolhia dois ou três livros muito bem conservados e, com eles, se dirigia a uma das mesas. Lá podia fazer com tranqüilidade a pesquisa, anotar os principais pontos em seu caderno, copiar trechos dos livros, não havia um limite de tempo de permanência. Devolvia os livros no balcão e saia com suas anotações. Após as consultas que fiz à Biblioteca Municipal de Santos, eu tinha o hábito de olhar os títulos e assuntos de livros e muitas vezes pegava um ou outro para ler em uma das mesas. Mas, além dos livros, adorava apreciar as instalações. As prateleiras eram em madeira envernizada, todas iam do piso ao teto, tudo muito bem cuidado. E o silêncio era gritante, sugeria um microcosmo de estudo, cultura, ciência, artes, filosofia que estava aguardando a sua chegada para enriquecer seu espírito. Era como entrar em um mundo acima da escola e do que ensinavam os professores. Na saída, como que brindando a visita a um templo de cultura e retorno à vida real, um lanche nas Lojas Americanas era um prazer indescritível. Um suco de laranja, uma torrada ou um sanduíche, um sorvete de flocos. Comprava um saco de bananinhas de marzipã e saia realizado. Pegava o bonde dois e voltava à São Vicente. Na frente de casa o bonde fazia a curva para sair da Marques de São Vicente e entrar na Avenida Capitão Mór Aguiar, o que obrigava o motorneiro diminuir a velocidade. Eu descia do bonde em movimento e, correndo, entrava em casa. Era muito bom.

Paulo Miorim, 30/11/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 30/11/2020
Código do texto: T7124350
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.