Banho de chuva
Tenho uma vizinha, mulher que passou pouco da meia-idade, que mantém um comportamento peculiar: gosta de tomar banho de chuva. Mas, não é qualquer chuvinha que atrai a vovó para fora de casa, não. Ela só sai sob duas condições: calor tórrido seguido de tempestade. Esses pés-d'água típicos do verão são, portanto, perfeitos para o gozo da velha, que se esbalda, toda contente, na enxurrada que inunda a rua. E mais, ela não se põe debaixo da chuva a sorrir feito besta, não. Ela trabalha. Sim, com uma enxada que, imagino, deve ter pertencido ao seu finado marido, a vovó se mete a limpar -- ou tentar limpar -- a calçada de um terreno baldio vizinho da sua casa. Ela desempenha esse trabalho com tanto gosto, sorrindo para a chuva e para a lama que esconde os seus pés, que, observando de soslaio do portão de casa, chego a sentir prazer. Abro um sorriso escondido da velha. É claro que, para tomar banho de chuva, a mulher não precisava sair de casa carregando uma enxada nos ombros. Mas, penso eu, ela assim o faz para dizer, para mostrar que não está ali, sozinha na rua deserta, tomando chuva só por diversão. A respeitável viúva não admite que digam que ela está brincando na chuva, se divertindo, gozando desse prazer singelo como quem não quer nada além disso. Por isso sai de casa carregando a enxada. A velha ferramenta do marido morto é o seu grande trunfo, seu pretexto perfeito para tomar banho de chuva sem culpa.