Ensaio sobre um rompimento
Elisa estava deitada bem do meu lado, de olhos fechados. Com a luz apagada, eu quase não podia ver nada. Mas dava pra sentir a sua respiração de perto. Isso era o mais próximo que eu tinha estado dela em um bom tempo, e talvez por isso que eu tivesse meu coração disparado e a boca seca. Esperei o tempo passar, mas a noite foi se arrastando e seguíamos calados. Perdi a noção da hora, mas algo me dizia que faltava pouco pra amanhecer.
- Tudo podia ter acontecido de uma forma mais decente entre nós. Eu acho. – Falei.
Ela não respondeu, mas eu sabia que ela tinha ouvido muito bem.
- E não é digno e muito menos justo que você questione o meu amor à uma hora dessas. – Continuei.
- E o que você quer que eu fale? - Ela perguntou, finalmente deixando o silêncio de lado.
- Acho que é tarde demais pra uma solução indolor.
- Você não parece ter sofrido tanto assim.
- Você tem que ter muito estômago pra me dizer um negócio desses.
- É? Pois você parecia estar muito bem pelo que me disseram.
- Eu estou cagando e andando pra o que lhe disseram. Só quem sabe o que eu passei sou eu. E não foram dias fáceis.
- É muito engraçado você dizer isso, quando eu sei que você passou os últimos meses de bar em bar, em conversinhas de pé do ouvido com uma e com outra... com esse teu papo de escritor machucado. Eu sei bem como isso tudo soa.
- Você me deixa depois de meses juntos, não me dá explicação alguma e aparece com outro poucos dias depois. E eu estou errado em tentar seguir com a minha vida? Pelo amor de Deus. Se eu estive de bar em bar, é por que não aguentava ficar em casa. Não depois da bagunça que você deixou dentro de mim. Então não me venha com esse papo.
- E por que você veio aqui? – Ela me perguntou, com os olhos bem abertos.
- Pela mensagem que você me mandou, eu achei que você estava prestes a fazer uma besteira.
- E isso faria diferença pra você?
- Mesmo com tudo o que nos aconteceu eu nunca te desejei mal. Só esperei te esquecer algum dia. Rezei muito por isso.
- Você nunca foi de rezar.
- Certas coisas mudam.
Me sentei na cama e ela enfiou a cabeça debaixo de um travesseiro.
- Sinceramente, Elisa. Eu sequer percebi quando você entrou na minha vida, até que você já tivesse entrado. Te conhecer foi a coisa mais intensa que tinha me acontecido até aquele momento. Era difícil não parar pra escutar cada palavra do que você tinha a dizer. E eu me vi querendo queimar todo tempo que restava da minha vida do seu lado. Até que...
- Até que eu fui embora.
- É.
- Não quero me eximir de culpa, nem nada. Mas sempre tive dificuldade em lidar com certezas. Você parecia ser uma. Tinha se tornado uma. E eu resolvi que não queria algo assim na minha vida. Então...
- Então me deixou. E eu fiquei me sentindo um idiota olhando minhas coisas fora de lugar e sentindo falta das suas. Sentindo sua falta...
- Eu sinto muito. – Ela disse, entre lágrimas, com a voz abafada pelo travesseiro.
- Tudo bem. Já passou.
- Eu sei que não passou.
- Mas vai passar.
Me levantei da cama e abri a janela.
A luz amarelada do poste entrou pelo quarto e pude ver um pouco melhor na escuridão ao redor. Reconheci um dos livros que eu tinha dado pra ela, sobre o criado mudo junto a cama.
- Você vai embora? – Ela perguntou.
- Sim. E acho que já vou até tarde demais.
- Tudo bem. – Ela sussurrou.
- Vou deixar suas chaves na porta. – Falei enquanto saía do quarto.
Não olhei pra trás. Apesar da vontade que ainda tinha de voltar e dormir nos braços dela.
Como fosse possível voltar ao passado, ou simplesmente,
Perder a memória.