DIFÍCIL SER VELHO

A velhice é complicada.

Os bancos e o comércio, de olho nas aposentadorias, chamam o segmento de “A Melhor Idade”. E estão com a razão. É a melhor idade para colesterol, pressão alta, diabete, artrose, catarata ... enfim, para uma série de porcarias que aparecem pela estrada da vida.

Na verdade, a classe é por demais discriminada. Já pensei em sugerir o Dia da Consciência Velha, mas amigos me dissuadiram, alegando que muitos de nós já perderam a consciência. Talvez deveríamos ir às ruas protestar. Entretanto, não haveria logística que permitisse levar para o asfalto bengalas, cadeiras de rodas, andadores e banheiros químicos que, com certeza, seriam excessivamente usados. Também não poderia ser descartado um eventual confronto com a polícia. E aí, na correria, seria um tal de perder óculos, dentadura, guarda-chuva, etc. Claro que tudo não passa de alusões impossíveis, impraticáveis. Sendo assim, tenho que aguentar diárias discriminações, como:

Se quebrar ou extraviar as coisas, sou gagá.

Se não lembrar, sou esquecido.

Se contar a mesma piada, sou repetitivo.

Se meter o olho na bunda de uma gatinha, sou safado.

Se mandar mensagem pornô, sou tarado.

Se for à alguma balada, tem que ser no Baile da Saudade.

Se gastar o que tenho, perdi o juízo.

Se economizar, passo por avarento, pois deste mundo nada levarei.

Se não fizer nada, caduco.

Se trabalhar, posso render as costas.

Se tossir, ... então ... já estou com corona vírus.

Além disso, existem outras falácias. A mais comum é quando nos equiparam às crianças, dizendo que no fim da vida voltamos à infância. Em certos aspectos, até concordo, mas o tratamento recebido é diferenciado, evidenciado nas comparações que seguem:

Criança é engraçadinha, velho é chato.

Criança, quando chora, está carente, velho é deprimido.

Criança, quando não escuta, é distraída, velho é surdo.

Criança, quando baba, está nascendo os dentinhos, velho é babão.

Criança, quando suja a fralda, fez cocô, velho é cagão.

Criança faz xixi, velho mija ... e, como mija.

Criança solta pum, velho peida.

Mas o mais desanimador ocorre quando retornamos à consulta médica. Querendo chamar a atenção da gostosa da secretária, endireitamos a coluna, estufamos o peito e fazemos uma pose charmosa. Para nossa decepção, ela, na maior cara de pau, pergunta numa voz manhosa e cadenciada:

– Oooi ... ooo ... vovôôô ... estááá ... beeem???

Pqp. Não sabia que havia uma linguagem especial para conversar com idosos. Será que ela não pode falar comigo, como se fala com uma pessoa normal?

Sinceramente...

Ser velho não é fácil.

Ser velho não é para amador.

Ser velho não é para jovem.

Ficou com pena do que viu aqui? Espere que uma dia você chegará lá.

Ah! Mas se serve de consolo, posso lhe garantir:

Só não fica velho, quem morre cedo.