Meu avô e suas lições

Eu sempre me considerei sortudo por ter tirado na “loteria das famílias”. Não, minha família não era, nunca foi e tenho certeza nunca será perfeita. Na verdade acho que nenhum lugar que tenha gente como componente principal pode ser considerado perfeito em algum sentido. Hoje, quando a vida já me ensinou muito mais coisa do que eu pensava em aprender, vejo que isso também tem sua beleza, embora, em muitas ocasiões (pra não falar a maioria das vezes) os seres humanos me encham de desespero, mas acredito que um dia, na consumação dos séculos, quando as trombetas do apocalipse enfim tocarem, teremos evoluídos o bastante.

E como uma dedução lógica, minha família não poderia o ser. Mas fui sortudo sim. À minha maneira. Meus pais se separaram eu era pequeno, devia ter uns 8 anos. Foi um processo difícil, mas necessário. E como meu pai tinha saído de casa e minha mãe tinha de trabalhar, eu e minha irmã ficávamos o resto dia depois da escola na casa dos meus avós maternos, que moravam pertinho. E foi isso que salvou minha vida. Não me canso de dizer que minha vida teria sido muito pior e mais tristes sem a “criação” proporcionada pelos meus avós. E hoje, não hesito em dizer que foram as duas pessoas que eu mais amei na vida.

Pois bem, da minha avó não há o que dizer que não seja menos do que foi na realidade. Desejaria que todo mundo tivesse o coração materno dela a disposição para curar as dores da alma e ter a certeza que apesar de tudo as coisas ficariam bem. Já meu avô… posso afirmar sem medo que devo a ele grande parte de tudo o que sou. E ainda hoje ele continua a me guiar, de onde esteja, com seus exemplos e com o que me ensinou.

Não tenho como dizer no espaço de um trecho tão breve, o quanto que aprendi com ele. Por exemplo, ele sempre me dizia que nunca deveria olhar uma pessoa com medo, não existia ninguém tão grande ou tão importante que não fosse igual a mim. E por que a vida era assim, que nunca deveria olhar alguém de cima, já que eu não era tão grande e tão importante que a outra pessoa não fosse igual a mim. Que a firmeza de um aperto de mão, diz mais sobre você que muitas atitudes e que “no tempo dele” um fio de bigode valia mais do que qualquer papel assinado, sendo assim, que nunca, em nenhuma hipótese, voltasse atrás quando tivesse dado a minha palavra, já que a honra de um homem vale mais que sua vida. Hoje vejo que o mundo dele, de honra, sentimentos nobres, cavaleiros e nobreza, não existe mais. Acho até que deixou existir antes dele nascer, mas seus ensinamentos – que são atemporais – sempre valerão e terão sua importância

Um caso que me lembro e que permanece vivo em minha mente se deu quando assistíamos a alguns filmes antigos da “Atlântida” ou da “Vera Cruz” que tanto ele como eu adorávamos, já que também devo a ele ter “recebido como herança” a paixão pelo cinema e ele me contou como foi a infância dele, as dificuldades, o primeiro emprego, o casamento, e tudo o que havia acontecido na sua vida, depois que o “mal destino” como chamou Bandeira (e ele grifou numa velha edição que lhe pertenceu e hoje e minha) aos infortúnios que a vida nos reserva, lhe atingiu. Isso tudo pra me ensinar que devemos sempre seguir em frente, lutar e não “esmorecer” nunca, porque a vida é sempre dura e só vence quem não se acovarda diante das intempéries que todos estamos sujeitos por quê a grande façanha da vida é saber lidar com as adversidades, ter coragem e brio. E recitou de cór “Canção dos Tamoios”, de Gonçalves Dias que começa assim:

Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida

É luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é combate,

Que os fracos abate,

Que os fortes, os bravos

Só pode exaltar.

E termina de forma lindíssima:

As armas ensaia,

Penetra na vida:

Pesada ou querida,

Viver é lutar.

Se o duro combate

Os fracos abate,

Aos fortes, aos bravos,

Só pode exaltar.

Não sei ainda se eu venci na vida. Se tive coragem pra enfrentar as tempestades que nos vem sempre. Ou até mesmo se houveram essas tempestades na vida, que graças aos céus sempre foi muito estável. Talvez só seja possível se constatar isso ao seu fim, e talvez nem seja por mim. Seja alguém que olhe de longe e diga como o Cidadão Kane disse numa das mais lindas cenas do cinema e que também assisti com meu avô “Ele se saiu bem diante das perspectivas...” Mas o fato é que vez por outra, quando acho que o “mal destino” insiste em se fazer presente, eu me pego pensando no que meu avô me ensinou e ouvindo a sua voz dizendo: “Não chores meu filho...”

Bruno C Soares
Enviado por Bruno C Soares em 27/11/2020
Reeditado em 27/11/2020
Código do texto: T7121790
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