Dedo do Destino

 

 

            Não que seja supersticioso, no entanto, algumas vezes, parece que uma força estranha altera o estado das coisas, agravando situações, gerando mal entendidos, criando desfechos inesperados. Não sei como chamá-la. Talvez seja acaso, providência ou, simplesmente, destino...

 

 

            Vitória

 

            Zilá fez de tudo para separá-los. O casal não tinha sossego. Até um detetive chegou a contratar:

 

            – Veja, filha, as provas do crime. Sempre disse que seu marido era um cafajeste.

 

            Saindo de um motel, foi flagrado com uma bela morena, em seu carro. Não havia dúvida. Dor, separação.

 

            Não bastaram as lágrimas de Marco Aurélio, as súplicas, as lamentações.       Carina permaneceu irredutível.

 

            – Chifres, Marco Aurélio? Chifres, não! Chifres, nunca!

 

            Ele bem que tentou. Enviou flores, declaração de amor. Apelou pelos filhos que ainda teriam.

 

            – Ainda bem que você não engravidou, dizia Zilá, triunfante. Queria ver se ele tivesse que pagar pensão. Iria à ruína. Ainda bem que não me deu netos. Daquele eu nada quero.

 

            O genro era apaixonado pela mulher. Como justificar a traição?

 

            – Foi coisa de homem, dizia entre amigos, fraqueza da carne. Era uma garota irresistível, representante comercial. Apareceu no escritório, meio oferecida e... O resto todo mundo sabe. Ela tinha que perdoar, não representou nada, nada!

 

            Não perdoou. Ardia–se de ódio e de ciúmes. Aquele foi o seu primeiro namorado, seu primeiro tudo. Queria–o por demais. No entanto, o orgulho de esposa traída e a força que lhe dava a mãe, faziam com que seu coração permanecesse duro, resistente ao assédio do ex-esposo.

 

            – A minha sogra é uma peste, repetia aos chegados. Sempre interferiu em nossa vida. Desde o namoro ela tentava nos separar. Vivia nos flagrando, vigiando, denegrindo a minha imagem. Cara, eu fui humilhado. E não foi uma vez só. Era esnobar minha família, minha carreira, minha imagem. Só porque vem de uma família com sobrenome comprido se acha melhor. Bobagem. Só bobagem.

 

 

            Cuidados

 

 

            Zilá vivia seus melhores dias. Com o retorno de Carolina para casa, desdobrava-se em mil cuidados. A jovem não tinha um trabalho, não precisava despender qualquer esforço. Terrivelmente esticada por inúmeras cirurgias, seios “turbinados”, vestes extravagantes, salto alto até em casa. Adornava-se em jóias, sendo as pérolas suas preferidas. A maquiagem deveria ganhar um Oscar, segundo o genro, de filme de terror.

 

            Uma das suas paixões era Morfeu, um gato angorá de lindos pelos brancos. O bichano embaixo do braço o dia todo, em qualquer parte. Passou muitos vexames por conta desse apego. Foi barrada em restaurantes e até em um Shopping. Armou escândalo. Não resolveu. Nada fazia com que se desgrudassem. Era possessiva com quase todas as coisas. A filha, entre elas, era mais um “souvenir”.

 

            – Se pelo menos a maldita morresse, pensou um dia Marco Aurélio, entre dentes, ao ouvido de um amigo. Não adianta; só um milagre mataria a velhota.

 

 

            O Milagre

 

 

            Zilá acordou feliz. Dois meses transcorridos e a audiência de separação já marcada.

 

            – Em pouco tempo aquele infeliz será passado, declamava contente.

 

            Aprendera a não assustar-se consigo mesma diante do espelho. Sua produção levava algumas horas. Ainda com a tonelada de creme de pepino ou coisa que o valha no rosto, camisolão de seda, estampado em flores berrantes, saiu pela vasta cobertura procurando o gato.

 

            – Morfeu? Vem com a mamãe, filhote, vem! Morfeu?

 

            Procurou pela cozinha. Passou direto pela sala. Os cremes não permitiam que enxergasse direito, juntamente com o sono, que ainda não partira por completo. Viu uma das almofadas estranhamente desarrumadas.

 

            – Quem deixou essa bagunça? Os olhos, sem as lentes, não eram lá grande coisa.

 

            Ao se aproximar teve uma pausa na respiração. Um afligir. Morfeu, estendido no sofá. As duas patas inferiores dependuradas. As superiores estendidas, como um Cristo desmantelado. Boca e olhos abertos. Língua roxa saltada. O grito cortou o condomínio ao meio. Parecia vir de toda parte. Sabia-se que era um grito de morte. Carolina despertou tremendo. Aflita correu para a sala. A mãe, em desespero, unhava o próprio rosto, misturando sangue com pasta de creme verde. Pediu-se ajuda. Tiveram que sedá-la. Saiu carregada em maca. Vizinhos olhando...

 

 

            Retorno

 

 

            Três meses e Carolina, duplamente fragilizada, perdoou Marco Aurélio. Sem aquela barreira foi fácil reaproximar-se. Foram juntos à clínica visitar a mãe.

 

            – A recuperação está sendo difícil, disse um dos médicos, o trauma foi terrível. Não temos previsão de cura.

 

            Instalada em um quarto, Zilá balançava um gatinho de pano nos braços. Cantarolava sem parar uma música de ninar. Não ouvia ou via ninguém. A filha chorava naqueles encontros. Consolada pelo marido, perguntava:

 

            – O que teria acontecido?

 

            Marco Aurélio inquietava-se. Demonstrava um desconforto que não era captado. Com o auxílio do porteiro do prédio, outra vítima das humilhações de Zilá, estimulado por farta gorjeta, envenenaram o animal. Não sabia que o resultado seria tão devastador. Queria somente dar um susto na velha. Desejava uma minúscula vingança. Não esperava por aquele dano colateral. Enquanto dirigia o carro de volta para casa, mastigava uma pastilha de menta. Sorria com discrição. A emenda superou o soneto...