Maradona

Para a minha infelicidade, não cheguei a ver Diego Armando Maradona (1960-2020) jogar ao vivo. Eu me tornei um fanático por futebol quando ele estava próximo de encerrar a carreira, mas ouvia falar muito pouco do futebol argentino. No entanto, a morte dele me comoveu.

Meu pai não era sacerdote, mas foi ele quem me apresentou Dios. Vagamente. O meu velho me introduziu ao maior jogador do futebol argentino de uma maneira que, acredito eu, seja muito comum quando alguém ouve falar de Diego pela primeira vez: comparando com Pelé. Ele, fã incondicional do Rei, dizia que o brasileiro era superior porque "disputou quatro copas e ganhou três", enquanto Maradona jogou três e ganhou só uma. Era o critério do meu pai para decidir quem era o melhor.

Anos mais tarde, na segunda metade da década de 2000, Diego Maradona passou a ser um assunto frequente nas rodas de conversas minhas com meus amigos. Foi uma época em que o interesse pelo futebol europeu ficava cada vez mais impregnado nas favelas de Salvador. Campeonatos como Premier League, La Liga, Serie A (italiana), Bundesliga, UEFA Champions League, Copa UEFA (hoje chamada Liga Europa), entre outros, despertavam (e ainda despertam) mais interesse que o futebol nacional. E havia o Playstation 2, que podíamos jogar graças a um período com baixo desemprego, valorização do salário mínimo e melhor acesso ao consumo. Eram horas e horas de FIFA e PES.

Como chegamos a Maradona?

Ao acompanhar os campeonatos europeus e controlar versões 128-bits de times e jogadores na tela da TV, passamos a sentir afeto pelos mesmos. Já neste período, Messi e Cristiano Ronaldo (então no Manchester United) despertavam paixões a ponto de gerar agressão verbal e física. As conversas rumavam para comparações não apenas entre atletas contemporâneos, como também entre jogadores antigos. Logo estávamos discutindo na rua, em casa ou na escola se o futebol do passado era superior tecnicamente ao do presente.

Não tinha como ignorar Maradona ao falar do futebol clássico. Infelizmente, sempre quando os connoisseurs abriam a boca para falar de El Pibe, saía a baba venenosa do falso moralismo soez. Havia também doses de ufanismo. Lamentavelmente, o patriotismo exacerbado no futebol é uma característica do torcedor brasileiro. Elogiavam o talento dele, mas sempre tinham que mencionar com desdém o problema de Maradona com a dependência química. Era a cultura. Além do moralismo de goela, aprendemos a detestar os argentinos no âmbito do futebol desde muito jovens. Por causa disto, passei muito tempo com impressões equívocadas sobre Diego.

Apenas no início da idade adulta isso veio mudar. Graças às informações e aos vídeos do Youtube. Virei fã de Dios. É sem dúvida o maior personagem da história do futebol, por causa do carisma inefável. O cara conseguiu colocar o Napoli, um time até então mediano da Itália, no topo. E ganhou a Copa de 1986 carregando a seleção nacional nas costas. Este último é um feito que Pelé não logrou, pois sempre teve uma constelação de craques nas diferentes composições da Seleção Brasileira em que ele jogou.

Já que gostamos muito de comparar Pelé e Maradona, vou mencionar

o que vi hoje (26/11), na Folha de S. Paulo: Tostão (meu ídolo dentro e fora de campo) citou, sem necessariamente concordar, argumentos interessantes utilizados por quem acredita na superioridade de Dios sobre o Rei: Maradona ajudou a ascender o Napoli na Itália ao conseguir jogar em alto nível mesmo diante das defesas mais sólidas do futebol mundial na época - o sistema defensivo tenaz era caracterizante do futebol italiano.

Eu e Maradona temos algo em comum, além de sermos latino-americanos. Estamos no lado esquerdo do espectro político. Não tenho simpatia por algumas das figuras controversas da esquerda latino-americana com quem ele manteve proximidade, mas de qualquer forma era notável a sua preocupação com justiça social. E isso só subiu a minha admiração por ele. Como disse um torcedor argentino, Maradona nunca será esquecido.