As coisas simples da vida

Hoje é uma quinta-feira, mas eu não sinto como se fosse uma. As minhas quintas-feiras eram bem diferentes de como estão sendo, eu teria 7 aulas, me reuniria com meus colegas de trabalho que se tornaram amigos insubstituíveis, os abraçaria, leria algum texto do meu amigo escritor e viajaria no enredo. Seria um dia normal- teria raiva e alegria- brigaria com um, sorriria com outro.

Conversaria com meus alunos e pediria silêncio, pois conversam muito e isso é propício da idade. Estaria naquela euforia de dar uma boa aula, de tentar aproximar o conteúdo dos estudantes e fazer com que eles percebam a importância da aprendizagem. O barulho me aborreceria um pouco e eu faria a cara de mal, aquela cara que eles dizem temer, depois cairíamos na risada, pois na maioria das vezes é isso o que acontece. A aula passaria tão rápido que eu ficaria aflita por não ter dado tempo vencer o guia da aprendizagem, e eles me diriam que a culpa era minha, pois nas minhas aulas a hora passava muito rápido. Sairia atrasada para a outra aula por conta do Datashow e algum deles iria me ajudar a levar e montar o aparelho.

No entanto, estou em casa, no meu quarto e jamais pensei que em algum dia viveria algo tão apocalíptico quanto estamos vivendo. O silêncio me perturba, sinto falta do barulho que outrora me incomodava. Sempre gostei de estar comigo mesma, adoro a minha companhia, mas gosto também de estar rodeada de pessoas. Meus livros? Já li todos! Vejo em meus pensamentos um refúgio, gosto da forma que eles vêm e da forma que vão.

Penso nas pessoas que se reprimem- que se criticam- que gostam de estar com outras pessoas, mas que não gostam da própria companhia, das que não são felizes por completo e depositam em terceiros o seu objeto de felicidade e sinto, sinto que isso pode ser devastador, mas pode ser a solução para os corajosos resolverem e encararem problemas internos que foram trancados a sete chaves.

Trancada em meu quarto posso viajar, posso me teletransportar e viver em outro lugar, conhecer e vivenciar outros enredos, outras histórias, me afeiçoar a alguns personagens e odiar outros e isso está tudo bem. No entanto, sempre tenho que voltar ao mundo real, a realidade que não é bem a nossa realidade, mas a que estamos tentando ser racionais.

A vida segue, porém, os dias são iguais. Cadê a vida cheia de movimentações? Se foi por um tempo e eu não sei por quanto tempo viveremos assim. Vivemos como se estivéssemos presos. Lembro-me de filmes já assistidos, filmes apocalípticos onde as pessoas viviam escondidas racionando comida, mas isso é coisa de filme, a realidade é outra. Assim eu pensava. E hoje, estamos à beira de um colapso.

Há um ano comprei um livro considerado de terror, quem me conhece sabe que amo histórias de terror, não segurei a curiosidade e comprei Caixa de Pássaros de John Malerman, na época devorei o livro rapidamente, eu precisava saber se a personagem conseguiria salvação, se as crianças ficariam bem e se a humanidade poderia ser livre e a maior das minhas angústias- que monstro assolou a todos?- a narrativa me prendeu, pois mexe com algo que perturba todo mundo, o medo do desconhecido

Hoje vivenciamos algo parecido, não podemos vê-lo a olho nu, mas ele está em todo lugar afastando o ser humano ao ponto de todos se tornarem presos em suas próprias casas, e isso é intimidador, é aterrorizante se sentir ameaçado por algo que não conseguimos ver, muitas interpretações se fazem presentes quando o assunto é esse livro e hoje? Quantas pessoas estão em suas casas e vivenciam esse silencioso mal invisível que é retratado na trama? Além de encarar o medo global encaram também seus medos internos, e isso é perturbador.

07/06/2020

Daniele Pereira
Enviado por Daniele Pereira em 26/11/2020
Código do texto: T7121263
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