Pedro Bala

Nascido em 29 de novembro de 1934 na localidade do Evaristo, Pedro Oscar de Jesus, filho de Oscar Ferreira de Jesus e Saturna Wagner Domingos, certamente chegou ao mundo com uma missão: alegrar as pessoas ao seu redor, missão essa que cumpriu com maestria até o seu falecimento em 15 de novembro de 2019, aos 84 anos.

Foi casado por 63 anos com Theresinha Barcelos de Jesus e teve os filhos Pedro Francisco, Paulo Tadeu (falecido), Sandra Maria e João Ricardo. Dessa linda prole teve 8 netos e 1 bisneta e Armindo, Teresinha, Salvador (falecido), Antônia e Maria Rosa como irmãos.

No Evaristo trabalhou na agricultura, antes de servir ao exército, onde aprendeu o ofício de garçon. E foi como garçon que iniciou efetivamente a sua carreira profissional, trabalhando primeiramente no Bar Turista e, posteriormente, no bar da rodoviária da cidade alta. Em seguida adquiriu o Baar Central, onde fez história. É de lá que carrego as melhores lembranças. Meu pai, João Knevitz da Rocha, era frequentador, desde o cafezinho diário, pelas manhãs, em companhia do seu amigo Edi Roberto Fahrion, até os finais de tarde, quando encontrava a turma do Baar, como era conhecida (impossível citar todos os amigos aqui). Eu, como companheira de meu pai desde criança, por lá ziguezagueava como se minha casa fosse. Lembro-me de que atrás do balcão eu sempre umas balinhas soltas e era autorizada a pegá-las quando quisesse. Aquele homem “grande”, de cara sempre sorridente, nunca economizou gentilezas e carinhos e foi alí que, apesar da diferença de idade uma sólida amizade se formou entre nós. Éramos amigos e vizinhos, tudo muito próximo.

Seu filho Pedro Francisco relatou que o Baar foi comprado por seu pai em 1958, com entrada de 200 dinheiros da época, a juro do Sr. Otto Bier, mais algumas parcelas. Assumiu o Baar e pediu para ficar com a féria da tarde/noite. Como na época era gerente da rodoviária, com muito movimento, pediu um carro de mão emprestado e fez um rancho no bar da rodoviária, para suprir o Baar. Foi com esse rancho que começou o trabalho, com simpatia, uma mesa de bilhar e sem hora para fechar. Acabou formando o melhor bar da cidade na época, com fregueses de todos os níveis. Depois de 20 anos vendeu o Baar para o irmão, de apelido Dodô, em sociedade com o cunhado Lourival Kuhn. Também fabricava sorvetes e picolés artesanais. Eram os melhores da cidade. Nesse intervalo trabalhou com gado e plantação em chácaras do Evaristo, pois estava em tratamento de saúde.

O Pedro Bala fazia parte do lado bom da humanidade, tinha boa fé, confiança no destino, renovava as esperanças e conseguia, através do seu humor, enxergar o mundo funcionando regularmente e, apesar dos incontestáveis amargores, sabia que viver era bom e valia a pena.

De 1987 a 1991 trabalhou como gerente no Panifício Biju Ltda. na Praça XV de Novembro, 68, no “miolo” de Porto Alegre, local mais do que apropriado para uma pessoa que cultivava tanto as relações. Lá o reencontrei depois de vários anos e, de uma forma muito terna, o percebia como nos tempos do Baar Central. Na época eu trabalhava no centro e, sempre que podia, por lá passava para um abraço. A sensação era de que ele não envelhecia. O sorriso era constante e tomava forma distinta quando desfilava com suas incontáveis piadas, as quais transformavam-o em um dicionário ambulante, criando derivações maravilhosas com muita sabedoria.

De 1991 a 1992 foi Fiscal do SISTECO (Órgão Estadual de Defesa do Consumidor, conveniado com a Prefeitura de Novo Hamburgo). O seu trabalho teve tanta eficácia na negociação entre as partes que recebeu destaque por parte do Prefeito, na época o Sr. Paulo Ritzel, por ter obtido êxito em todas as diligências realizadas no período. Obviamente que a sua habilidade inter-pessoal, já reconhecida, abriu uma bela janela para essa realização.

Depois de um tempo retornou à cidade e por aqui continuou transitando pelas ruas e jorrando alegrias e piadas e tendo, como o seu local favorito, a sua chácara no Evaristo. As suas origens nunca foram esquecidas.

Em 03 de julho busquei contato com seu amigo - talvez o mais íntimo - Anildo José de Andrade. Por telefone ficou muito tempo falando no orgulho que tem de tê-lo tido como amigo tão próximo. Se conheceram ainda solteiros, mas foi no Baar Central que a amizade se solidificou. O Anildo foi inspetor de Polícia e costumava frequentar o Baar de 2 a 3 vezes ao dia. Lá eles conversavam, riam, trocavam ideias e ele dava pequenos corretivos, como autoridade policial, às pessoas que não respeitavam as normas do Baar. Na conversa ele “desfilou” os discursos que pronunciava para fazer os bagunceiros entenderem que aquele estabelecimento era de um homem de bem. Os amigos se reencontraram no retorno do Pedro à Santo Antônio e, dessa vez, de forma mais próxima ainda. O Anildo costumava visitar o Pedro na sua casa de 3 a 4 vezes na semana. Em cada encontro programavam o que relembrariam de importante no próximo. Afinal, as histórias vividas eram muitas.

Na finalização do meu contato ele sentenciou: quando o Pedro falava que andava meio fraco eu retrucava: “vou ti passar o laço!” ... e ele virava uma fortaleza. Essa amizade se desdobrou, uma vez que os netos Ítalo (do Anildo) e Rodolfo (do Pedro) são grandes amigos.

Gente com riso solto não reclama. Gente otimista não vê o fim, multiplica o que acredita. Nesse ponto o seu filho de apelido Mamau (João Ricardo) contou-me que certa vez o pai foi visitar um primo de nome Alziro. Com a habilidade que lhe era peculiar, resolveu sondar o primo sobre o seu desempenho com a esposa. O primo, com habilidade similar, foi logo falando mais ou menos assim: “como assim Pedro? Essa mulher é tão boa que faz absolutamente tudo prá mim. Como eu vou abusar dela?” Atônito, ao invés de retrucar, o velho Pedro resolveu, com o passar do tempo, multiplicar o argumento, hoje conhecido na cidade e arredores, a exemplo de Novo Hamburgo, dentre os amigos do Mamau.

Buscando compor este relato da maneira mais fiel possível, recebí na minha residência o seu irmão mais novo, Armindo Ferreira de Jesus (o Branquinho) que gentilmente aceitou o meu convite para um bate papo sobre o irmão. Nada, absolutamente nada do que foi falado desvinculou-se do seu tempo no Baar Central. Entre lembranças e risos ele comentou que não era somente o Anildo que dava corretivos nos clientes mal intencionados. O Pedro era forte e fazia valer a sua autoridade. O Branquinho falava no Baar como se lá fosse o centro do mundo na época. De tudo acontecia e de tudo ria.

Aproveitarei este espaço para deixar registradas duas pequenas histórias relatadas por ele que aconteceram no estabelecimento do nosso protagonista, especialmente porque tem como personagem o meu saudoso pai:

Meu pai, como citado anteriormente, era frequentador assíduo do Baar. Tomava “sempre” meia taça de café preto todas as manhãs. Certo dia um balconista, primo do Branquinho e de apelido “Quarenta” questionou o meu pai na chegada: - “1 cafezinho Seu João?” e meu pai respondeu: “tu sabes que é meia taça!”. Virou chavão!

Um dos maiores atrativos do Baar era a mesa de bilhar. Nela o Luiz Fernando Alvarez era campeão e granjeava muitos admiradores. Ganhava todas as partidas com facilidade. Por sua vez o Branquinho era péssimo. Certo dia, possivelmente um dia incomum, o Branquinho resolveu jogar com o Luiz Fernando e acabou ganhando duas partidas e, com esse resultado nunca mais o Luiz Fernando frequentou o Baar. Até hoje não se entende o que realmente aconteceu. Ainda falando no bilhar, meu pai discursava com bastante frequência aclamando que o Baar tinha os melhores jogadores de bilhar do mundo (nada megalomaníaco). Alegava que faria uma caravana para a Itália, direta para Castel Galdolfo, para conhecerem e jogarem com o time do Papa. Escalou inclusive o time: Branquinho, João Cândido Rosa, Badê, Afonso Santana e Luiz Fernando Alvarez. O chefe da caravana seria ele, o encarregado por toda parte médica o Luiz Fernando e pela segurança o João Cândido. Acabou encontrando função para os escalados, restando um, que não tinha função alguma e que, na última hora foi intimado para ser o espião, ou seja, discretamente se colocaria atrás do adversário para providenciar artimanhas no taco. Essa caravana ficou conhecida!

Na saída do encontro pedí ao Branquinho que definisse o irmão em uma palavra. Em pouco tempo ele falou: “comida”. Alegou que a grande preocupação do irmão sempre foi mesa farta, que na sua residência sempre tinha uma profusão de comida e quitutes e que ele adorava perceber que as pessoas se “banqueteavam” por lá. Possivelmente uma forma de manifestar amor através da comida. Os “antigos” tinham dessas coisas.

Por fim, importante salientar que toda a intermediação de dados e pesquisa para este relato foi feita, de forma extremamente generosa, por sua filha Sandra Maria, minha amiga desde os tempos do Baar Central, da vizinhança, do Colégio Santa Teresinha e dos carnavais.

Crônica escrita para o livro SUAS EXCELÊNCIAS, OS PERSONAGENS, Vol. 3, 2020

Rosalva
Enviado por Rosalva em 26/11/2020
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