Pai João

Pai: Subst. Masculino. Homem em relação aos seus filhos, naturais ou adotivos (dic.)

João: Nome simples, amplamente adotado em nomenclaturas simples ou compostas.

Alto, preto retinto, forte e com gargalhada atípica Pai João era um homem do bem, amado por toda família construída pelo casal Salvador Jesus de Oliveira e Rosalina Assis de Oliveira, meus avós maternos.

Sempre ouço histórias ternas dessa pessoa da qual tenho uma lembrança muito interessante, que fará o fechamento deste texto.

Atualmente, do casal Salvador e Rosalina está entre nós a tia Gladis (Gradir Oliveira da Conceição), sua quarta filha, com 88 anos e residente em Ilhéus/BA desde 2018. À ela solicitei memórias do Pai João e as recebí através de um lindo e emocionante áudio feito em 28/04/2020 por sua filha Aline. Nele está evidente a amorosidade com a qual o Pai João continua sendo lembrado.

Seu nome era João Silveira Braga. Casou-se com Rosa, então com 15 anos. Tiveram os filhos ngelo, Jovina e Marlí (os que foram lembrados pela tia). ngelo foi batizado por ela e por seu esposo João Pedro da Conceição, vulgo “tio Pê”.

Pai João nasceu no Buraco do Bicho, no Monjolo, e de lá rumou por anos para trabalhar no comércio Salvador Oliveira & Filhos, na entrada do distrito, sempre à pé. Começou e finalizou a sua trajetória profissional com a família Oliveira e teve nuances das mais variadas. A estrada do Buraco do Bicho leva o seu nome, já que virou criatura conhecida na cidade inteira. A estrada é imponente e conhecida, assim como era o nosso personagem.

Tinha uma irmã chamada Dejanira que, aos 4 anos, passou a ser criada pela minha vó. Lá trabalhou até casar, quando mudou-se para Canoas.

Por incentivo de meu avô o Pai João aprendeu a dirigir muito cedo com o Dorinho, e logo virou o motorista do caminhão que levava mercadorias do comércio do vô para a empresa Rosa & Araújo, em Porto Alegre. Além do Dorinho, também recebeu instruções para dirigir do Sr. Djalmo Oliveira, fato que me foi contado por seu filho Joelson com muito orgulho. Na época o escambo reinava nas transações, uma vez que a mercadoria levada era trocada por outro tipo de mercadoria, trazida para venda. Invariavelmente nas suas idas à Porto Alegre ele levava o falecido Renato, sobrinho dos meus avós que, infelizmente, faleceu muito cedo. A lembrança da tia Gladis é muito viva em relação ao companheirismo dos dois.

Pai João ficou muito conhecido pelas estradas por sua solidariedade e pelas caronas que costumava dar, bem como pelo pronto socorro que sempre prestava quando se deparava com algum acidente.

Virou um excelente motorista, a ponto de ser lembrado, por ocasião de um problema sério de saúde do vô, de buscar o Dr. Aldo Chaves em Porto Alegre, à 100Km por hora na RS 30, na direção de um Dodge. Fico imaginando 100Km por hora em um Dodge da época em uma estrada que é permeada por curvas.

Passou a integrar a nossa família e, por essa razão, transitava pela vida e pelos caminhos dos Oliveiras. “As meninas”, em número de seis, eram suas protegidas.

A tia Gladis lembra que, diariamente, mal raiava o dia na casa do Monjolo, o Pai João já adentrava à cozinha junto da minha avó. Em seguida seguia para tirar leite das vacas ... atrás dele as meninas com suas canequinhas. Para elas sempre foi uma diversão.

Não raras vezes ele serviu de psicólogo e passava mensagens bem definidas para a minha avó em relação aos pretendentes das filhas. Queria o melhor para elas e não poupava seus comentários sobre eles. O “Pai” em frente ao “João” tinha um grande significado para ele. Nunca falou, mas a família comenta que ele se sentia pai de todos.

Pai João era paciencioso, generoso, prestativo e companheiro. Reunia tudo o que um bom homem poderia ter.

Uma das lembranças mais vivas da tia Gladis era as suas idas com ele para Porto Alegre, aproveitando a carona, para fazer compras. O seu amor e paciência eram elogiáveis.

Nos verões, costumava levar a família Oliveira para a praia, de caminhão. Era visível a sua felicidade com o carregamento da família e seus mantimentos. Um tempo depois aparecia para trazê-los de volta ao Monjolo.

Minha lembrança dele é única e muito simples. Eu era muito pequena (possivelmente com 6 ou 7 anos) e ele já sabia que eu adorava andar de caminhão. Então, invariavelmente quando vinha do Monjolo ao Banco do Brasil, passava na nossa casa para apanhar-me para a “aventura”. Lembro-me do caminhão estacionado em frente ao número 455 da Rua Pinheiro Machado e eu sendo levantada por ele para conseguir sentar no banco. Já na partida eu era tomada por uma sensação maravilhosa, já que conseguia enxergar absolutamente tudo do alto. Chego a emocionar-me pensando no quanto os meus olhos deviam brilhar nessa aventura e no tanto de coisas que eu devia ter visto.

Ficou a lembrança e o legado de uma pessoa ímpar!

Crônica escrita para o livro SUAS EXCELÊNCIAS, OS PERSONAGENS - Vol. 3 - 2020

Rosalva
Enviado por Rosalva em 26/11/2020
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