MEU TIO LEONEL
MEU TIO LEONEL
“Não há professor, não há aluno, não há líder, não há guru, não há mestre, não há salvador. Você mesmo é o professor, o aluno, o mestre, o guru, o líder, você é tudo.”
Jiddu Krishnamurti
Eu devia ter uns dois ou três anos quando descobri que minha mãe tinha um irmão cursando a Academia militar de Agulhas Negras, em Resende, RJ, de nome Leonel. Lembro bem de minha mãe com uma carta na mão, lendo-a para meus avós, onde Leonel informava que trocara a carreira militar para ingressar no curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ. Como o sonho de meus avós maternos era ter um filho oficial do Exército, a notícia causou grande impacto, com muita choradeira, um verdadeiro drama familiar. Porém, Leonel concluiu o seu curso e foi um bem sucedido profissional. Morou no Rio de Janeiro até 1971ou 1972. Quando adolescente, fiz várias visitas à casa do meu tio Leonel.
Leonel foi uma das pessoas mais cultas que conheci, nos deixou há uns meses atrás com noventa e cinco anos. Inspirado nele cursei Engenharia Civil. Em cada oportunidade que ia ao Rio eu me enfiava na montanha de livros que meu tio possuía e, como sempre fui um rato de leitura, entrava em contato com mundos nunca visitados, de política a geografia,de ioga a História, filosofia de todas as vertentes, tinha Henry Miller, Aldous Huxley, Hermann Hesse, Sully Prudhome (primeiro ganhador do Nobel de Literatura em 1901), Rabindranath Tagore, Machado de Assis. Havia Kama Sutra original, Aurobindo, Paramahansa Yogananda e outros, muitos outros, de filosofia indiana. Sem falar em Immanuel Kant e suas Críticas da Razão Prática e Crítica da Razão Pura e seu Imperativo Categórico, em Arthur Schopenhauer e O Mundo como Vontade e Representação. Lembro que os livros não ficavam organizados, você os encontrava espalhados pela casa, e meu tio comentava cada um deles, era só perguntar. Na casa de Leonel tive contato com livros de autoria e outros das palestras de Krishnamurti. Pela primeira vez fiquei seriamente impressionado por uma linha de pensamento totalmente diferente do que encontramos: a de total liberdade de pensar. Dizem que as mentes e espíritos só funcionam quando abertos e Krishnamurti me abriu a maneira de ver o mundo.
Jiddu Krishnamurti, filosófo indiano, combatia o conceito de estarmos amarrados à dualidade. Branco ou preto, sim ou não, oito ou oitenta, posições radicais que ignoram outras cores ou a palavra talvez ou o número quarenta e três, que existem queiram os dualistas ou não.Respondendo a questionamentos de platéias em todo o mundo, Krishnamurti colocava em cheque todas as convicções e falsas necessidades em que nossa sociedade se baseia. Para que buscarmos segurança, para que buscarmos bens materiais, e muitos outros aspectos da vida dita moderna. Lembro de ter “devorado” diversos livros de Jiddu. E, não sei se encontrei respostas para tantas questões que afligiam ou me identifiquei tanto que até hoje lembro de ser uma das mais esclarecedoras filosofias que tive contato. Tendo meu amado tio Leonel como Guru, me apropriei de várias tendências do pensamento humano. Foi uma época maravilhosa, meu tio parecia gostar de instigar minha curiosidade e eu amava escutá-lo até o ponto em que ele parava e dizia que se quisesse saber mais devia ler.
Passados uns anos, eu estava na faculdade e meu tio mudou-se para Curitiba, se hospedando com a família por um breve período em minha casa. Foi um reencontro muito agradável. Assim que se mudou para sua casa, fui seguidas vezes “garimpar” livros que eu não lera e os levava emprestados. Em muitas ocasiões, Leonel me dava os livros, não considerava guardar obras que já lera.
Aposentou-se pelo então DNER. Eu, já imerso na roda viva da vida, o vi poucas vezes após minha conclusão do curso. Andei executando obras pelo Brasil todo, mas quando surgia uma oportunidade visitava meu tio na capital paranaense. Em 2008 executei parte do Porto de Itajaí e fui à casa de Leonel diversas vezes, sempre o encontrei lendo dois ou três jornais. Após ter problemas com a pressão arterial, eliminou o consumo de açúcar e sal de sua alimentação e melhorou muito sua saúde. Lembro de seu conselho que não segui:
–Paulinho, você é um homem inteligente. È só ler que você não ingere nem sal ou açúcar, pois são venenos.
Em 2017, em uma visita a Curitiba para rever amigos da Faculdade, fiquei hospedado na casa de sua filha Nelma, minha querida prima, e fui à casa de Leonel. Conversamos bastante, e meu tio sempre muito lúcido e bem informado, comentando sobra a Lava-Jato e outra atualidades.
Foi a última vez que o vi com vida. Ano passado, meu amado tio foi para outro plano, onde deve estar espalhando saber e dialogando outras mentes avançadas.
Paulo Miorim 25/11/2020