OS LIVROS QUE NÃO LEMOS
Há quatro anos — quando eu era estudante de Letras e trabalhava numa biblioteca — um senhor me procurou trazendo livros para doar. Naquela época, devido ao espaço ser pequeno, a maioria das doações era recusada. Receber os livros implicava selecionar o que prestava, dar um fim ao que não prestava, catalogar. Um trabalho do cão, resumindo. Os livros daquele homem eram velhos, ultrapassados, cheirando a mofo e cheios de poeira. Barsa, romances baratos e coisas do tipo. Em fim, coisas que ninguém quer e decide depositar nas bibliotecas da cidade.
“Pois não, senhor.”, eu disse.
“Vim doar uns livros aqui”.
“Só que a gente não está recebendo doações.”
“Então quer dizer que eles não prestam pra nada?”, perguntou um tanto quanto magoado.
“Não é isso. O espaço é pequeno, o acervo já é bem grande e as estantes estão bem apertadas.”, Tentei acalmá-lo.
“Então você me faz um favor?”
“Que favor?”
“Jogue esta sacola de livros fora pra mim em qualquer lugar.”
“Senhor, estou trabalhando e não posso fazer isso.”
Aquele cara saiu, foi até a lixeira do nosso estacionamento e quase a quebrou jogando aqueles livros pesados dentro dela. Não parecia má pessoa, só um pouco fora de si. Sua figura me lembrou do conto “O piano”, de Aníbal Machado. De repente, o personagem casa a filha e ela e o genro vão morar num quarto da casa dele. Para acolher o casal, o sogro resolve vender um piano que tinha um valor sentimental para a família. Acontece que ninguém queria o piano. Se abaixava o preço, não havia interessados. Resolveu doar o instrumento, mas as pessoas arrumavam tudo quanto era desculpa para não buscar o presente. Tempo, falta de dinheiro pro carreto, etc. Depois de tanto sofrer com o desprezo e a rejeição dos outros, o cara descobre que o genro dele é pianista e todos ficam bem no final.
O caso me veio esta semana quando eu comentava com alguém sobre a mania de gente culta atualmente: comprar livros em promoção que ela nunca vai ler. Vai comprando, vai entulhando a casa, quer doar e não acha quem se interesse pelas obras. Como na trama do Aníbal Machado. Tenho uma hipótese para isso: aquele colega mala que sempre tem uma lista de livros pra perguntar se a gente leu. “Leu Proust, Leandro?”. “Não”. “Sério? Não é você que gosta tanto de ler?” Aí vai você, que trabalha de oito às seis da tarde, procurar aqueles sete tomos de “Em busca do tempo perdido”. Haja saco. Eu aprendi a mandar muita gente catar coquinhos, mas alguns amigos meus que ainda não conseguem.
Há tempos comprei o livro “Oblomov”, do russo Ivan Goncharov. Cem reais. Os trabalhos da faculdade apertaram, guardei o livro ainda embalado na estante e emprestei para um amigo do trabalho ainda sem tirar o plástico. Ele leu em uma semana. Gostou muito e, com o passar dos meses, sempre me perguntava se eu tinha lido “Oblomov”. Eu dizia que não e ele: “Que crise de oblomovismo ”. Curiosamente, a história fala de um homem que fica deitado o dia todo e tem preguiça até de tirar a poeira da cortina. Não sai, não vê amigos, não trabalha, não namora e procrastina até pra tomar banho. Ler é uma das melhores coisas do mundo, mas sempre um romance de cada vez.