Os velhos brinquedos e o novo brincar
Aguardo minha consulta sentado no sofá da sala de espera do psicólogo. Cheguei mais cedo do trabalho e isso me dá a oportunidade de explorar visualmente os pormenores do ambiente e dos clientes que por ali transitam. Na chegada tive que registrar minha digital perante a atendente. Ela sorri educadamente para mim e eu fico imaginando que os homens, quanto mais avançam nos conhecimentos da tecnologia, mais se aprofundam nas trevas da ignorância. Passei a minha vida estudando e um dos primeiros preceitos que adquiri foi que era preciso aprender a ler e escrever, pois os analfabetos usavam a impressão digital como prova de tal desconhecimento. E agora, eis-me aqui, com o meu dedo indicador pressionando a maquininha do sensor digital da empresa prestadora de saúde, usando o mesmo artifício dos desletrados na prova física fundamental de minha identidade e existência, embora esteja de corpo e alma em frente à funcionária sorridente. Lanço à mente um trocadilho futurista: Tudo que é moderno hoje já foi obsoleto ontem!
Parodiando Olavo Bilac penso: "Ora, direis, ouvir o ambiente!". Observo os clientes. Alguns sós, outros acompanhados dos pais, filhos e/ou companheiros. Fixo-me em uma menininha de seus nove a dez aninhos, que, junto ao irmãozinho mais novo, disputa algum tipo de jogo em seu irrequieto e indispensável celular amarelo. Cabelos pretos, escorridos. Magrinha e estirada. Leva os pés, dobrados os joelhos, pressionados no assento do sofá de courino marrom da sala de espera.
Na parede atrás dela encontra-se uma estante de madeira com várias prateleiras e, expostos nelas, como fossem antigos e desconhecidos objetos, vários brinquedos de plástico, madeira e tecido. Todos imóveis em suas inúteis funções. A criança com o celular não vê nem a estante, que dirá os brinquedos ali dispostos. É a dita cegueira cultural. Você só vê o que conhece e o que procura. Drama existencial midiático entre o lúdico ultrapassado e o choque cultural antropológico das novas tecnologias. É uma imagem ao mesmo tempo impactante e nostálgica, confronto entre o conhecimento humano tradicional autônomo e o avanço tecnológico que limita a inteligência humana biológica à uma interface fria e automática. E este atrito humano-pensante versus máquina-inteligente sempre sobrará como dano ao ser humano que não tem as peças de reposição em estoque para consertar a contento os males da alma, da solidão, do amor, da paixão e da própria existência.
Aguardo minha consulta sentado no sofá da sala de espera do psicólogo. Cheguei mais cedo do trabalho e isso me dá a oportunidade de explorar visualmente os pormenores do ambiente e dos clientes que por ali transitam. Na chegada tive que registrar minha digital perante a atendente. Ela sorri educadamente para mim e eu fico imaginando que os homens, quanto mais avançam nos conhecimentos da tecnologia, mais se aprofundam nas trevas da ignorância. Passei a minha vida estudando e um dos primeiros preceitos que adquiri foi que era preciso aprender a ler e escrever, pois os analfabetos usavam a impressão digital como prova de tal desconhecimento. E agora, eis-me aqui, com o meu dedo indicador pressionando a maquininha do sensor digital da empresa prestadora de saúde, usando o mesmo artifício dos desletrados na prova física fundamental de minha identidade e existência, embora esteja de corpo e alma em frente à funcionária sorridente. Lanço à mente um trocadilho futurista: Tudo que é moderno hoje já foi obsoleto ontem!
Parodiando Olavo Bilac penso: "Ora, direis, ouvir o ambiente!". Observo os clientes. Alguns sós, outros acompanhados dos pais, filhos e/ou companheiros. Fixo-me em uma menininha de seus nove a dez aninhos, que, junto ao irmãozinho mais novo, disputa algum tipo de jogo em seu irrequieto e indispensável celular amarelo. Cabelos pretos, escorridos. Magrinha e estirada. Leva os pés, dobrados os joelhos, pressionados no assento do sofá de courino marrom da sala de espera.
Na parede atrás dela encontra-se uma estante de madeira com várias prateleiras e, expostos nelas, como fossem antigos e desconhecidos objetos, vários brinquedos de plástico, madeira e tecido. Todos imóveis em suas inúteis funções. A criança com o celular não vê nem a estante, que dirá os brinquedos ali dispostos. É a dita cegueira cultural. Você só vê o que conhece e o que procura. Drama existencial midiático entre o lúdico ultrapassado e o choque cultural antropológico das novas tecnologias. É uma imagem ao mesmo tempo impactante e nostálgica, confronto entre o conhecimento humano tradicional autônomo e o avanço tecnológico que limita a inteligência humana biológica à uma interface fria e automática. E este atrito humano-pensante versus máquina-inteligente sempre sobrará como dano ao ser humano que não tem as peças de reposição em estoque para consertar a contento os males da alma, da solidão, do amor, da paixão e da própria existência.