Consciências VIII
Perdas preciosas
Primeiro, foi a Madona, uma maritaca linda, que alegrava os nossos dias com o seu canto, no quintal. Se foi numa noite de chuva forte, de raios e negligência. No dia seguinte, eu chorei por sua morte, na mesa do almoço. Era apenas um menino assustado com o mundo. Mas foram lágrimas absolutamente sinceras, incontroláveis e puras. Não sei bem quando, acho que em 1997 (DC).
Em 2006, foi a vez do Pluto. Ele se foi num momento tão bom... Ele sempre assistia aos jogos de peteca do meu pai e eu, naquelas tardes quentes e folgadas. Foi súbito e mal compreendido. Mas as mesmas lágrimas, sinceras e puras. Foram tantos os anos de convívio... Presenciou os problemas de uma família em decadência, tentando se adaptar à dor. Se escondeu atrás da velha máquina de lavar, por causa dos fogos de artifício, enquanto eu pulava de alegria com a vitória do Brasil, na copa de 2002. Me lembro bem disso. Eu já era adolescente quando ele se foi. Eu fiquei com vergonha de chorar na frente dos outros. Sempre achei que fosse sinal de fraqueza. Chorei debaixo dos lençóis, na cama dos meus pais. Janaína, uma empregada da época, tão simpática, foi testemunha daqueles tempos.
No dia primeiro de junho de 2018, foi a vez da Nana, musculosa e carinhosa Pitbull, de sorriso sempre aberto comigo. Foi no quintal da casa de um grande amigo, que também foi o seu pai; depois de uns 4 anos, desde a primeira vez que a vi. Ela acordou morrendo, e nos despedimos, sem querer. Foi um momento de muita tristeza...
A morte fecha um ciclo que se transforma em um mausoléu de lembranças e certezas. As lembranças também são avisos de que o passado nunca volta e de que um dia será a nossa vez. A morte de vidas que amam sem dúvidas, que não se prendem às aparências, apenas ao mais importante e essencial, o amor... para quem reconhece o que significam, humanos ou animais, são perdas profundas, em meio a um mundo de mentiras e interesses mesquinhos. Basta o toque, o estar, o viver cada momento juntos.
Agora, a minha mente infantil e velha finge se preparar para tantas outras perdas, enquanto se segura na barra da saia da mãe e das calças do pai, desse turbilhão de besteiras recicladas que tem sido a humanidade. Minha musa de quatro patas, minha melhor amiga, envelhece sem saber ou, ao menos, suspeitando. Dorme mais que antes e apenas mia pros pássaros. Dorme tanto de dia que me acorda lá pelas 5 da madrugada. O tempo marca o seu lindo rosto. Seus grandes olhos verdes e cansados. Torço para que viva muito. Que fique mais uns anos pertinho, do meu lado. Até o meu pai que nunca foi muito de gato, não resistiu àqueles olhinhos pedintes. Eu sei que ela já é uma senhora. Que preciso respeitar sua idade. Mas o amor puro tem cheiro e jeito de infância. A gente fala com mais delicadeza, com cuidado pra não machucar, quer apertar, sentir o calor, o coração batendo. Minha mãe sempre diz que não quer mais saber de "animal". Que ela será a última. Mal sabe que não tem escolha. Não planejamos a Ágata. Quando vem é difícil devolver. A Ágata tem a mesma idade que o meu pai. Que viva por mais alguns anos comigo. O mesmo mantra em cada olhar. É o que peço ao tempo.