A Viagem...


... ou Delírios de uma Alma Passageira!

 

 

            Minhalma nasceu com muitas ambições que foram sendo desbancadas pelas amarguras colhidas no decorrer do vagar por esse mundo.

 

            Fui deitando pedaços, lançando sementes, colhendo afetos, abandonando ilusões; enquanto o corpo era moído pelos espinhos e pedregulhos da jornada.

 

            Subi certa feita em um morro e, apenas descobri, que mais adiante havia outra montanha.

 

            Parei algum tempo no abrigo de uma família que construí. Assentei-me, levei vida digna e os filhos se foram, acomodar-se longe de mim.

 

            Quando me olhei, em um reflexo grampeado na água, percebi rugas e cabelos brancos. Minha companheira parecia mais jovem, muito mais jovem.

 

            Não a merecia e comuniquei-lhe que seguiria por aquela estrada. Fiel, decidiu acompanhar-me.

 

            Novos morros encontramos, fizemos amigos, e, a determinada altura, fomos chamados a voltar. Netos nos esperavam.

 

            Fiquei na beira da estrada, via jovens e intrépidos viajantes a passar.

            Por mais de uma vez quase fui com eles.

            Olhava para minha esposa e seu sorriso continuava a me acorrentar.

            Ficou comigo até o momento final.

            Parece que fechei os olhos, mas, estranhamente, continuava a enxergar.

            Levantei-me do leito de morte em minha última sesta.

            O espelho dágua refletia um rosto jovem.

            A esposa debulhava-se em lágrimas.

            Pessoas, amigos, vizinhos, vieram e acenderam velas ao redor de um caco que não reconhecia.

 

            Notei que podia continuar por aquela estrada e que, agora, livre de um peso incômodo, iria mais rápido.

 

            A esposa, envelhecida, era uma nota de tristeza.

            Decidi esperar por ela o tempo que necessário fosse.

            Não tem graça nenhuma viajar sozinho...