DUAS VOLTAS DO TIC-TAC (BVIW)


 

A controvérsia do tempo me mostra que um dia é pouco para tanto o que se precisa fazer, e demais quando se espera pelo milagre ou por alguém que se ama.

Aprendi, depois de algumas eventualidades, a começar a manhã carregando uma mala de imprevistos. Porque, por trás de um dia lindo de Sol ou misterioso de chuva, tem um amigo necessitando de cura e de preces.

 

Tem um pai idoso com a mente apagada das lembranças que requer paciência e atenção. Tem um netinho elétrico para gastar toda energia do corpo cansado de compromissos diários.

 

Tem aquele projeto embolorado torcendo para que a coragem visite os medos, e se demore estimulando a ser colado em execução. Tem aquela amiga aguardando palavras certas para o seu desconforto. Tem uma companhia sedenta de maiores cuidados. Tem uma guerra fria no meio da família apta a ser pacificada na diplomacia.

 

Tem momentos singulares desejosos de serem aproveitados da melhor forma, e sem pressa. Tem corpo sinalizando carência de afeto e descanso. Tem a reserva da melhor safra de vinho aguardando a celebração da conquista, que ainda não aconteceu.

 

Tem aquele perdão preso no orgulho, e sufocado da mágoa que insiste em ficar aprisionada no choro contido. Tem aquele adeus engessado que resiste em não desatar elos por ainda acreditar em finais felizes. Tem a mente ansiosa de uma pausa e meditação.

 

Tem um acidente roubando a paz. Tem uma casa inteira para ajeitar a desordem da correria. Tem culpas remotas impedindo reconciliações necessárias.

 

Tem a receita de torta especial deixada para o depois que nunca chega, por conveniência, pela saudade que machuca da ausência de quem a preparava.

Enfim, na vida há tanto sentimento para o coração administrar. E tudo isso é imensurável para caber nas duas voltas que o relógio dá em um dia.