Preto e Branco
Idos de 1994, tinha apenas 12 anos de idade e não tinha consciência do significado dessa palavra tão cruenta que é o termo Racismo, contudo naquele dia presenciei na prática o peso da sua violência.
Era noite, minha mãe passava mal e por não termos veículo, nem transporte público acessível que nos fizessem chegar com urgência a um Pronto-socorro na periferia do Recife, fizemos a caminhada de 40 minutos a pé.
Enquanto aguardávamos a sofrida demora pelo atendimento, minha velha mãe arfava de dor no corredor. Naquele caos de pessoas jogadas no chão, sai pelos corredores a busca de ajuda.
Nessa procura angustiante, entrei sem querer numa sala de cirurgia e ali me deparei com uma das cenas mais cruentas que presenciei em toda minha vida.
Um homem negro, algemado numa maca , gritava horrendamente de dor, cercado por dois policiais e três profissionais do hospital.
Enquanto dois enfermeiros (brancos), com ajuda dos PM (negros) seguravam o homem da mesma cor que descontroladamente urrava de dor, um outro homem branco, que hoje suponho ser o ortopedista, fixava sem anestesia uma haste de ferro, utilizando sem dó uma espécie de furadeira.
Como o barulho dos gritos e do aparelho eram ensurdecedores, não perceberam minha entrada e ali permaneci por alguns segundos - tempo que até hoje me parece uma eternidade - chocado sem conseguir me mover.
Recobrando minha urgência, sai dali aflito. Ainda atordoado, custou-me até encontrar novamente a sala em que minha mãe já recebia atendimento.
Ali, mesmo sem ter a ideia do conceito de Racismo Estrutural, percebi um de suas distinções na prática: apesar da sua nítida cara de pobreza, minha velha mãe tinha sorte, nasceu com pele branca e olhos claros. Talvez por isso recebia socorro.
Já o homem negro que clamava por anestesia, não tinha a mesma ventura, e com toda certeza sua dor lancinante e gritos de socorros se prolongam na pele e na garganta de todo homem e mulher negros que nas periferias desse país, ainda clamam por alforria.