A ordem natural das coisas

De praxe, ao escrever um texto que publico diariamente no jornal local, deixo o título por último. Após as linhas escritas, releio as minhas colocações e como manda a cartilha de uma boa redação, o título vem depois. Mas esse aqui, meu caro, comecei de trás pra frente. O título veio primeiro, depois essas linhas que você lê. Como se fosse uma ordem natural, uma sequência, ciência exata, um tópico do livro de regras. O título, depois os parágrafos.

Dito isso, começo a minha história.

Nesta semana conversei com uma senhora que me dizia estar preocupada com o futuro desse mundo. Eu me perguntei: que futuro será que tira o sono de uma senhora de 80 anos? Ela pareceu ouvir as colocações de meus pensamentos e logo explicou: ‘Esse futuro que sua filha vai ter’. Naquela hora eu queria um espelho para ver a minha expressão após entender tal afirmação.

Eu até paro para pensar no futuro. Tento fazer os meus dias melhores, imaginando dias melhores ainda para minha filha. Hoje (pais e mães entendem) tudo o que faço é pensando no futuro dela.

Mas que futuro a espera? Prometo que enquanto eu ainda estiver por aqui, não faltará empenho para fazer com que o seu caminho se encha de flores. Que os lobos se vão, que as pedras se desmanchem, que a vida seja plena, com sorrisos e conquistas.

Já sei o suficiente, porém, para entender que nada será como no conto de fadas que leio todos os dias para ela dormir, e sua vida não dependerá apenas das minhas vontades.

Mas me conforto em saber que ela vê em mim o seu super-herói, que planta as flores, mata os lobos, tira as pedras de seu caminho e salva a mocinha em um final feliz.

Não sou daqueles que preferem dizer que seus filhos precisam aprender desde cedo como a vida é. A vida é dura. Batalhar para conquistar o seu sustento, é uma missão diária que tantos sofrem para enfrentá-la. Mas há um alento no mundo de criança: ela precisa viver num conto de fadas, enquanto o seu super-herói permitir.

O que realmente machuca é pensar que o futuro de muitos destes pequenos já chegou. Não há super-heróis em contos de fadas, flores ou sorrisos em seus passos. Apenas há pedras, espinhos e lobos da vida real, tão maldosos quanto os da fantasia. E há a esperança que uma criança jamais pode perder.

A senhora de 80 anos se preocupou com o futuro da minha filha de três. Eu a agradeci.

Empatia, sabedoria, compaixão. A ordem natural das coisas.

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 23/11/2020
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