Nunca Estamos Sozinhos

Marco havia acordado naquela manhã se sentindo estranho, acordou com uma dor esquisita nas costas, como se tivesse passado a noite carregando algo pesado, não se lembrava de ter sonhado, se espreguiçou e correu para o banheiro tomar um banho frio para começar o dia.

No trabalho a rotina o deixava entediado, as horas pareciam não passar e finalmente chegou a tão esperada hora do almoço, Marco ligou para Lila, sua namorada, e como de costume se encontraram para almoçarem juntos, já que Lila trabalhava bem perto de onde Marco almoçava.

Lila e Marcos tinham um relacionamento de quase dois anos, tinham a mesma idade e gostos bem parecidos, nunca brigavam e pareciam bem felizes. Naquela tarde Lila estava um pouco calada, almoçaram e após a refeição Lila pediu para conversar com Marco, foram então a um prédio comercial, em um andar onde havia pouco movimento e Lila começou por elogiar Marco, com tudo o que haviam vivido até então, que a vida havia lhe dado um grande professor e amigo, mas que infelizmente ela não queria ir em frente com aquele relacionamento. Marco ficou surpreso, não esperava por isso, não sabia o que falar, sentiu vontade de chorar e ao mesmo tempo esperou que no final ela lhe dissesse sorrindo que tudo era apenas uma brincadeira, mas ela não disse nada, apenas após dizer tudo o que queria, friamente ela fitava os olhos de Marco, que confuso só conseguiu pronunciar uma pergunta e em tom muito baixo: “Por que?” Lila respirou fundo, apertou os lábios e como quem faz uma grande força respondeu apertando os olhos que havia escolhido viver algo novo, que não havia ninguém em sua vida mas que Marco era muito “parado”, não havia emoções e nem sensações, era tudo rotineiro, depois de dizer o que quis dizer, Lila foi embora, deixando Marco sozinho naquele prédio com pouco movimento. Marco não sabia o que fazer, era uma sensação nova, ele só conseguiu chorar e depois de chorar, pensou em morrer, não via mais sentido em sua vida “rotineira”, Lila havia levado com ela uma peça essencial no quebra-cabeças de sua vida, era a sua companheira que acabava de ir embora de uma forma como se nunca tivesse estado ali.

Voltar para o trabalho não foi algo fácil para Marco, mesmo assim ele voltou, cumpriu suas obrigações e no fim do expediente resolveu colocar em prática um plano que havia passado a tarde organizando mentalmente, como a vida não tinha mais sentido para ele, resolveu passar em uma loja de produtos agrícolas onde sabia que era vendido veneno, mesmo que escondido da fiscalização, e comprou um pacote de um pó mortal, criado para exterminar roedores mas proibido por lei.

Marco chegou em casa, morava sozinho, sentou e ficou olhando para a parede da sua sala pelo menos duas horas, não sentia fome e nem cansaço, só vontade de fugir de tudo aquilo, aquela solidão, aquela decepção com a pessoa que ele sonhara viver uma vida inteira. Marco levantou do sofá, foi até a cozinha e resolver fazer um jantar, seria o seu último jantar, onde ele misturaria o veneno mortal e após a refeição, partiria de tudo aquilo que o magoava tanto. Enquanto cozinhava imaginou Lila no outro dia, no restaurante onde almoçavam, vendo passar na TV, no programa policial que sempre assistiam no restaurante, a notícia do jovem que foi encontrado morto por envenenamento, aquilo ia deixar a consciência de Lila bem pesada, ela merecia por ter sido tão ingrata com ele, pensou.

O cheiro da comida estava ótimo, Marco misturou o veneno ao orégano que ele guardava em um potinho, desses que se usam para guardar condimentos, assim ele usaria o orégano como se tivesse dando um toque de sabor na comida, ironicamente ele sorriu ao despejar o veneno no pote com o orégano e misturar tudo, aquele seria o “toque” final.

Antes de tudo se consumar, antes de tirar a sua própria vida, Marco teve o estranho instinto de conversar com o que ele chamou de “universo”, em sua solitária conversa desabafou sobre tudo o que estava sentindo, disse que não merecia aquilo, chorou e antes de fazer o que faria, resolveu tentar um acordo com o “universo”, então chorando desesperadamente falou que se aquilo não fosse para acontecer que ele (o universo) o salvasse. Quando terminou de falar, se sentiu um grande tolo, pensou na forma ridícula de morrer tentando ser ajudado pelo “universo”, aquilo piorou ainda mais a sensação de tristeza que sentia, foi quando escutou barulho de passos em seu quintal, correu para a porta da sala para tentar ouvir mais de perto, nem chegou a encostar a orelha na porta, ela se abriu com uma pancada, com um chute e Marco foi ao chão com o impacto da porta em seu rosto. Meio atordoado, Marco levantou a cabeça e viu duas figuras e uma gritava olhando para ele: “É um assalto.” Era inacreditável aquilo acontecendo, exatamente naquele momento tão “único” de sua vida, então sentiu um chute no rosto, e vários chutes no corpo, a porta foi fechada e ele estava a mercê de dois assaltantes armados.

Marco sentiu uma certa ironia naquilo tudo, afinal de contas ele morreria da qualquer forma, mudaria apenas a matéria que Lila assistiria no restaurante na hora do almoço, seria até mais honroso e acabaria com o seu sofrimento.

Após ser agredido por algum tempo Marco olhou diretamente para os assaltantes e pediu para que o matassem, um deles engatilhou a arma e colocou na boca de Marco, o outro assaltante se meteu e puxou o braço do outro assaltante, então um deles começou a falar do cheiro da comida que vinha da cozinha, perguntaram para Marco se aquele cheiro realmente vinha dali, Marco respondeu que sim, então eles ordenaram que ele os servisse, Marco então foi forçado a servir os dois assaltantes com a comida que havia planejado se matar, pensou então no “universo” tentando impedi-lo de fazer tal coisa, de qualquer forma aqueles assaltantes tirariam a sua vida, era tarde demais, não tinha mais volta, Marco começava a perceber que o que ele chamou de universo, era apenas esperança, pensou que poderia ter dado a volta por cima se tivesse outra chance, mas claramente dali a poucos instantes estaria baleado e morto. Marco pensou consigo mesmo, que talvez fosse aquilo que deveria acontecer, era mesmo o destino, senão algo teria acontecido e impedido tudo, Marco serviu calmamente os pratos e entregou para os assaltantes, então eles misturaram a comida e fizeram com que Marco comece uma colherada de cada prato, para se certificarem de que o alimento não estaria envenenado, Marco provou calmamente e viu os assaltantes rirem dele, então pediram água antes de comerem, Marco deu as costas para pegar os copos com água, pensou no meio do caminho: Então é isso mesmo Universo, você realmente quer que eu morra. Após esse pensamento um dos assaltantes gritou para ele que se virou para olhar, então o assaltante em um tom de ordem disse: Traga o orégano que vimos no armário da cozinha. Marco se virou e sorriu, sim, o “universo” havia respondido que hoje não seria o dia em que ele deixaria o mundo.

No outro dia Lila estava no restaurante onde almoçavam, vendo o programa de notícias policiais, viu uma rosto que lhe chamou a atenção, o rosto de Marco com uma tarja embaixo onde dizia: Herói consegue sobreviver a dois assaltantes após envenená-los.

Na noticia um repórter narrava que, após os assaltantes tomarem veneno misturado na comida e passarem mal, Marco propôs que os levaria ao médico se o deixassem viver, afinal de contas só ele seria capaz de dirigir, só ele não havia tomado veneno, os assaltantes aceitaram e Marco os levou ao hospital onde foram presos. Marco estava sendo tratado como herói por todos.

Dali para frente a vida Marco tomara outro rumo, passou a praticar esportes, a conhecer pessoas novas, viajar, Marco planejou morrer, mas o “universo” quis que ele vivesse.

Marco nunca mais pisou no restaurante costumeiro, e também nunca atendeu nem uma das "milhares" de ligações feitas por Lila.

Ele aprendeu a valiosa lição de que nunca estamos sozinhos.