"Causos" do meu Sertão
Nasci na confluência de três estados nordestinos: Bahia, Pernambuco e Alagoas. Assim, costumava dizer que as cidades de Glória, Petrolândia e Água Branca faziam parte do "Triângulo da Amizade". Apesar de situadas em Estados diferentes, em pouco tempo poderíamos pisar o "chão sagrado" desses três municípios. O tempo passa e eis que, já morando em Maceió, fazendo parte da Academia Maceioense de Letras, conheço um confrade natural de Água Branca, autêntico sertanejo como eu, gostando de contar os causos lá do nosso sertão.
Das antologias publicadas pela nossa Academia, costumo ler, texto por texto, uma forma de conhecer a habilidade literária dos nossos confrades. Desta vez, convém ressaltar um causo semelhante ao de um tio meu, que também fornecia sementes aos seus conterrâneos, por ocasião do plantio. Mas não era o feijão, conforme o relato do confrade de Água Branca. Neste, o que sobressai é a quebra da honestidade, algo incomum aos nossos irmãos sertanejos. Hoje, quando chove no sertão, o governo fornece as sementes de milho ou feijão para que o sertanejo possa plantar. Nos velhos tempos, os mais abastados forneciam as sementes aos mais pobres, que assumiam o compromisso de, após a colheita, compensarem os fornecedores com uma proporção maior que a recebida, conforme o combinado, em selamin, medida que correspondia a 10 litros.
No causo em questão, o fornecedor foi avisado que um dos beneficiários estava separando a semente boa da ruim e foi enfático ao dizer: "a boa fica comigo e a ruim vai de paga para o meu fornecedor". Com esse gesto de clara desonestidade, não haveria de faltar um "dedurador". Assim, o fornecedor, sem mais delonga, resolveu dar-lhe o troco: "esta mesma semente que hoje recebo será a mesma que lhe emprestarei no próximo ano". Assim, o tiro saiu pela culatra. O desonesto colhe o fruto de sua própria desonestidade. Eis aí a lição para quem não sabe o que é gratidão. Para o plantio, precisou da semente. Na colheita, paga-se o bem com o mal. E eu, que tanto defendia a índole do sertanejo, do meu sagrado sertão, descubro que o caráter não depende do lugar em que nascemos, mas da educação que recebemos.