O VIGÁRIO
Um amigo meu sempre insistia em bater na mesma tecla:
-Joel ! Você tem uma cara de sacerdote.Dizia isso examinando meu perfil,com um risinho debochado nos lábios.
Certa feita até insinuou que deveríamos percorrer o interior arrecadando prendas para "ajudar nas obras da igreja".
Sempre lhe mandei catar coquinhos,mas a cada olhadela que me dava no espelho, diante da insistência do meliante, acabava quase concordando com o dito cujo.
Assim...Era eu o Frei Joel, o Padre Thuto, enfim...
O tempo rolou e para minha felicidade o amigo mudou-se de cidade e a paranóia de me fazer um religioso acabou.
Começo dos anos 80, eu recém casado.
Meus pais eram compadres de um casal de poloneses que moravam no alto de uma colina, numa colonia de lavradores.
Parecia o "Top the world". Lindo demais! De lá avistava-se o "mundo" à sua volta.As pequenas propriedades, arabescos de cidadezinhas distantes, estradas,pinheirais...
Isso tudo, aspirando ares de doce pureza que em nada igualavam-se a outros ares aspirados.
O problema ficava por conta do dificil acesso até o local. Garantido mesmo, era apenas de carroça.
Com o carro na oficina, tomamos um taxi para nos levar a um almoço de domingo na casa dos compadres.
No local onde fazia-se a conexão (estrada principal/carreador de pedras),Sr.Antonio - o compadre - estava à nossa espera.
A carroça toda paramentada com pelegos coloridos e guizos pendurados ao pescoço dos cavalos.
Minha esposa e meus pais, sentaram-se no banco traseiro. Eu, tomei assento no banco dianteiro ao lado do condutor da carroça.
Levávamos alguns "agradinhos da cidade" para ajudar no almoço e, nem preciso dizer, que estávamos em nossos trajes de domingo.
[ Sentíamos elegantérrimos ]
Manhã de outono, um certo friozinho,agasalhos leves...Enfiado em meu safari "marron batina", recém adquirido, eu me sentia um autêntico "grandiskoiza".
Seu Antonio acionou os animais e entre feno seco e laranjais, fomos singrando os caminhos da colina.
Os cavalos troteavam compassadamente e o ruido dos guizos enchia de sons aquela manhã ligeiramente nevoenta.
De quando em quando uma perdiz assustada alçava vôo apavorando a parelha de animais.
Seu Antonio prendia as rédeas, apertava o breque da carroça e contornava o ímpeto dos animais.
Essa manobra causava um "suave" solavanco quase nos arremessando carroça a fora.
No topo da colina, a comadre , de avental branco e sorriso nos lábios, aguardava ansiosa pelo momento de abrir a porteira.
Fomos chegando e um cheiro irresistivel de leitão assado, vasava pela fresta da fornalha
Um dia foi pouco para tanto aconchego.
À tardinha, Seu Antonio nos trouxe de volta pra casa.Na carroça,além dos visitantes devidamente empanturrados,agradinhos da colonia.Leite,queijo,feijão,cebola,laranjas,enfim...
Outra vez, eu - em meu safari marron batina - ao lado do carroçeiro.
Felizes em casa e o compadre retornando já com as primeiras estrelas para as léguas que separavam a nossa casa, do topo do mundo onde ele morava.
Alguns dias depois, seu Antonio aparecera para um dedo de prosa, relatando algo que ocorrera durante aquela nossa visita.
Alguns lavradores, tendo visto a minha figura naquele "casaco marrom", presumiram ser um sacerdote.
Correram para suas casas e ajudaram as esposas a preparar alguns pequenos banquetes para recepcionar o suposto padre.
À tardinha, frustraram-se com a arrogância do vigário que não os visitou.
Cobraram os "porquês", do inocente compadre de meu pai.
Segundo ele, a coisa foi mais ou menos nestes termos:
-Limpei casa, patroa fez ate "bólo" e padre "lazarrento" nem aparreceu ! dizia um deles.
-Guardei saco de cebola pro (FDP) e ele nem "benzéu casa".Irritado,proferia outro.
-Você Antonio é pucha saco de padre ! "Dicerto" você fez fuxico pro desgraçado nom ir em nossas casas.
E foram tantas (algumas impublicáveis) por conta do safari marrom batina.
Agora relembrando o episódio,penso no mala de meu amigo.
Será que ele tinha razão ? tenho mesmo cara de vigário ?
Pelo sim,pelo não, roupa marrom batina, não uso mais.Nem ganhando de presente rsrs...