SE EU TIVESSE DITO

Crônica de Gustavo do Carmo

Publicada originalmente em 26/09/2016

Relembrando o passado, fico pensando nas discussões que eu tive na vida, nas verdades que eu deveria ter falado e nas atitudes que eu deveria ter tomado. Me calei. Fiquei inerte para evitar maiores constrangimentos ou mesmo retaliações. Entre muitos exemplos, aqui vou contar alguns deles.

A professora ex-carioca chata

Na faculdade de jornalismo eu tive uma professora, daquelas cariocas que tiveram melhores oportunidades em São Paulo e só voltaram ao Rio de Janeiro para criticar a cidade. Vivia dizendo que o Rio não tem oportunidades, que aqui ninguém trabalha direito, que todo carioca é incompetente, que só aqui tem estágio não-remunerado e que só São Paulo tem os melhores empregos para jornalistas.

Eu, que sempre fui e ainda sou uma pessoa tímida, ouvia calado a todas aquelas ofensas contra a minha cidade, o meu estado. Às vezes, a irritação era tanta que eu saía de fininho e fingia ir ao banheiro, quando na verdade ficava no pátio para não ouvir mais bobagens.

O bom tratamento e os elogios que esta professora fazia a mim também impediam que eu me rebelasse. Ela dizia que eu sorria com os olhos, que eu tinha futuro na profissão e... que eu deveria me mudar para São Paulo também.

Hoje, fico pensando o que seria do meu presente se, num do vários workshops que ela organizava nas aulas, eu tivesse pedido a palavra e dito na cara dela que se o Rio tem tão poucas oportunidades é por causa de gente como ela, que em vez de valorizar o estado, entrega o ouro ao bandido, que fica com tudo o que temos de bom, inclusive o seu próprio talento, deixando as sobras para nós, cariocas, para depois ficar criticando.

Na época eu tinha medo de ser expulso de sala, de passar vergonha e ser mais malvisto do que sou hoje pelos meus então colegas. Vinte anos depois, ainda acredito que só a última consequência poderia ter acontecido, mas poderia ter feito ela refletir, deixar de ser simpática comigo e me prejudicar nas notas. Será que eu deveria ter falado?

O coordenador demitido

Há uns treze anos, eu cursava pós-graduação em Gestão de Cultura, um daqueles cursos bem “intelectuais”. Eu me formei, mas até agora o diploma (na verdade, um certificado) não teve serventia nenhuma para mim.

O primeiro coordenador era um senhor na faixa dos setenta anos, que participava de todas as aulas, vestido de terno, gravata e bengala e fazia comentários que até as tornava demoradas.

Após eu mandar uma mensagem para toda turma dizendo que estava com problemas pessoais (e estava mesmo, não inventei) e de ter enviado um e-mail para o coordenador, anexando o então rascunho do meu romance Notícias que Marcam, ele disse ter adorado o livro e me incentivou a pagar para publicar. Foi o que fiz, depois de receber mais incentivos de outras duas colegas e da minha mãe ganhar um dinheiro de correção da Previdência Social.

Ainda não tinha assinado o contrato com a editora em São Paulo quando o coordenador foi demitido da Estácio de Sá e proibido de entrar nos campi da universidade. Ele tinha acabado de iniciar uma nova turma que estudaria com a gente nas primeiras matérias deles, assim como a minha turma conviveu com a anterior.

Apegado aos alunos, ele queria levar as três turmas para a nova faculdade para onde se mudou, que eu não me lembro o nome. Só que ninguém quis sair da Estácio. Eu fiquei tentado a sair, mas também estava apegado aos meus colegas e resolvi ficar, com outro coordenador.

Claro que o senhor tentou persuadir a mim e a todos. Acontece que uma senhora descobriu a farsa ao ver o contrato da nova faculdade que ele distribuiu: não tinha registro. Apenas o logotipo da nova faculdade e da empresa cultural dele. Como se fosse uma simples ficha. E seria um curso de extensão e não uma pós-graduação. Se eu me matriculei na Estácio para fazer pós-graduação, como acabaria fazendo um curso de extensão em outra faculdade? O meu pai, que pagava o curso, me mataria. Declinei e segui os meus colegas.

Ele convocou uma reunião no escritório dele, na Rua México, no mesmo Centro da cidade onde ficava o campus do meu curso (na Presidente Vargas). Desci do ônibus e, por uns instantes, tive aquele dilema de qual caminho seguir. Segui o caminho da Estácio.

Além disso, me pediram para expulsá-lo do grupo de discussão da turma na internet e concordei. Eu era o moderador. Tive a sensação de que fiquei com a fama de traidor entre o ex-coordenador e seus familiares. E também perdi a sua confiança.

Hoje, fico pensando: e se eu tivesse seguido com ele? Poderia ter um emprego na sua empresa cultural, mas ficaria sem um curso de pós-graduação? Por motivos legais, de diplomação, fiz a coisa certa. Mas pela gratidão que eu (ainda) tenho a ele, me arrependo da minha omissão. Pois rompi com todos os colegas com quem eu preferi continuar. Foram uns falsos. Me cobraram tanto para eu lançar o livro, mas na hora do lançamento só duas apareceram. E também não me ajudaram no trabalho final.

Hoje penso que eu deveria ter feito o mesmo que outro colega, então marido de uma das colegas que revisou o meu livro: conversar com ele e expor as minhas razões. Mas, com medo de cair na conversa dele, fui covarde e segui a manada.

Aula de puxa-saquismo

Anos depois, me matriculei em outra pós-graduação da Estácio. Desta vez, para fazer um curso no qual quase me matriculei na ocasião da pós de Cultura, mas meu pai não deixou: Telejornalismo.

Entrei com a intenção real de fazer amizade com jornalistas já ingressos na Rede Globo e outras emissoras, com alguns professores conhecidos, para que alguém me colocasse no caminho das pedras do mercado cultural. A coordenadora, por exemplo, era filha da apresentadora do primeiro programa feminino da Globo. Uma das colegas era editora de imagens da emissora.

Ao contrário da outra pós, em que eu só fui aceito na panelinha por causa daquela mensagem, neste curso eu fiz algumas “amizades” espontaneamente. Mas por causa da minha timidez crônica e de alguns comentários polêmicos e boicotes que eu fazia, a turma passou a me esnobar. Por puro preconceito e pré-julgamento. Logo eles que se diziam os guardiões da moral politicamente correta.

Aliás, a maioria da turma já me esnobava mesmo. Nunca se aproximou de mim. Já os meus “amigos” passaram a me evitar nos trabalhos de grupo e nas redes sociais, com algumas exceções, claro.

Num dos módulos, como são chamadas as matérias dos dois cursos, que duravam um mês, que eu não lembro o nome (como estou esquecido), eu tinha aulas de apuração e redação e a professora era editora da Record, onde uma das colegas começava a sua carreira de repórter de vídeo no hard news. Hoje ela apresenta um telejornal local na emissora dos bispos (aliás, nem sei se ainda apresenta. Não assisto à Record).

Encantada com a moça, ela se derretia em elogios à “pupila”. E aí começava a aula de puxa-saquismo. Parecia fazer mais isso do que dar aula. Neste caso eu não tive oportunidade, mas jurei, para mim mesmo, que, se ela puxasse o saco da colega mais uma vez, ia perguntar se o módulo era para nos ensinar a redigir textos para a TV ou ficar elogiando a Fulana.

Na época, não tinha nada contra essa repórter. Mas depois fiquei chateado quando ela comprou o meu livro, após um colega fazer a divulgação, e no final da aula ignorar o meu agradecimento.

O surto que eu não tive

A “amiga” mais próxima desta nova pós, ignorando a grande preocupação que eu tive na época das chuvas que arrasaram Itaipava, onde ela morava, de repente passou a fugir de mim nos trabalhos de grupo. Escolhia propositalmente temas complexos para que eu perdesse a vontade de fazer com ela e depois ficar dizendo que fui eu que não queria fazer. Fora a falta de retorno de e-mails para discutir os pontos dos trabalhos que eu fazia com ela.

As aulas aconteciam sábado sim, sábado não. Na semana anterior ao início dos dois últimos módulos (um de reportagem em vídeo e outro de orientação ao projeto final) foi o meu aniversário.

Recebi parabéns no meu Facebook de vários amigos e parentes, menos dos colegas da pós. Estava esperando mesmo o meu aniversário para fazer uma limpeza na lista dos meus amigos que não interagiam comigo. Na meia-noite de segunda-feira excluí o pessoal. E esta ex-colega e seu, talvez namorado, que também era da nossa turma, estavam entre os excluídos. Ela só foi me dar parabéns na tarde de segunda-feira e por e-mail.

No sábado ela chegou atrasada e me deu uma camisa lilás de presente. Poderia pensar que fosse um presente de arrependimento, mas ela também deu uma camisa para o outro colega. Eu estava feliz quando a professora pediu para anunciarmos os integrantes de cada grupo que faria o projeto final. Ela anunciou e me deixou de fora, dizendo claramente que eu ia fazer sozinho.

Naquela hora me deu vontade de surtar, jogar a camisa na cara dela e mandar todos aqueles falsos para o inferno. Mas o bobo aqui ficou quieto e ainda aceitou o presente e ter ficado de fora do grupo. E ainda prometeu entregar o projeto inicial do trabalho para a professora na aula seguinte.

Na aula da tarde, esta colega traidora preferiu fazer o teste de vídeo com outra colega. Isso não me incomodou tanto, pois entendi que eu realmente iria passar vexame e ela queria fazer o programa de entrevistas intelectual dela.

O que me incomodou foi a humilhação da outra professora ao avaliar o meu teste, no qual, com certeza, não me saí bem. Gaguejei, fiquei mudo e fiquei em dúvidas na gramática. Foi horrível. Na hora de avaliar ela me detonou. Disse (até com razão) que eu tinha mais vocação para trabalhar em programas de carro do que de notícias e aconselhou que ninguém deve errar na língua portuguesa.

Mas o comentário foi direcionado a mim, induzido ao erro pelo amado da “amiga” traidora, embora naquele dia eu ainda não estava desconfiado do envolvimento romântico dos dois. Ele até me incentivou nas duas aulas. Saiu cedo desta aula da tarde.

E se eu tivesse me rebelado contra aquele comentário? Deveria ter dito para todos ali que eu não fui muito favorecido intelectualmente e nem fisicamente para apresentar um telejornal. Que eu não sou rostinho bonito como muitos ali naquela turma. Que eu não tenho amigos influentes e que ela era muito arrogante. Mandaria a professora, coordenadora e todos os ex-colegas à merda. Encerraria o discurso jogando a camisa na cara da ex-amiga traidora. Este ato eu não me arrependo de não ter feito. Com certeza, gaguejaria novamente. E ainda sairia vaiado.

A colega que pegou carona no meu trabalho, ficou esnobe depois de famosa e se mandou para Brasília

Aqui, a história não é de uma atitude que eu não tomei, mas se eu tivesse tomado uma decisão diferente que evitaria uma dor de cabeça no futuro:

Num dos módulos da mesma pós, uma bela e então humilde morena se aproximou de mim e perguntou se poderia entrar no meu grupo de trabalho. Gentil como sou, aceitei. Ela mesma se apresentou, na época, como uma repórter da afiliada da Band, mas que estava se mudando para a retransmissora da Globo, no sul do estado do Rio de Janeiro. Chegamos até a conversar sobre as nossas respectivas famílias (inclusive, ela estava sentada ao meu lado quando meu ex-colega divulgou o meu livro e ficou interessada).

Não lembro o que ela fez no trabalho. A ideia do tema do projeto de apresentação de um documentário sobre taxistas foi minha. Lembro que a outra colega falsa, a tal com quem rompi, até acelerou o trabalho. Me parece que a repórter experiente fechou e, isto sim eu lembro, apresentou o powerpoint com o layout que eu criei. Apresentamos, fomos aprovados e iniciou-se outro módulo.

Quando a colega falsa, citada no capítulo anterior, se recusou a fazer o trabalho dos últimos módulos comigo, preferi abandonar o curso, mesmo faltando apenas duas matérias. Não tinha mais clima para continuar e a repórter fazia parte de um grupo com outros colegas esnobes. Fiquei com vergonha de pedir para entrar e prejudicá-los com a minha personalidade.

Passados alguns anos do meu abandono da pós, a repórter começou aparecer com frequência na televisão. Primeiro, ainda na TV Rio Sul, através do programa Via Brasil, da Globo News, que eu costumava assistir na época. Depois ela veio para a Rede Globo Rio, aparecendo mais vezes no Bom Dia Rio e no RJTV - primeira edição.

Até maio do ano passado, eu mudava de canal quando ela aparecia. Não gosto de ver ex-colegas bem-sucedidos perante ao meu fracasso como jornalista e pessoa.

Só que a partir do meio do ano, me deu uma bobeira e comecei a pesquisar sobre a sua vida pessoal. Acho que foi por causa do abalo com a convulsão que deixou a minha mãe senil de uma hora pra outra em Cabo Frio. Tive que voltar para o Rio e comecei a procurar aliança em seus dedos e gravidez no seu ventre.

Se antes me incomodava (e ainda incomoda) vê-la na televisão, ao mesmo tempo, passei a sentir falta, principalmente nas suas férias. Cheguei a ficar tão ansioso e deprimido que parei de comer e emagreci. Acabei procurando um psiquiatra e descobrindo que tenho Síndrome de Asperger.

Antes disso, comecei a procurar contato, primeiro relembrando tempos da pós. Ela não me respondeu. Depois, fiz perguntas no Instagram. Nada de resposta. Passei a ficar com raiva. Mas não queria fazer nada de mal. Passei a desabafar minha raiva escrevendo contos e microcontos, retratando-a como uma vilã esnobe.

Sei que ela é noiva de um rapaz bonito e bem-sucedido, portanto, não tenho chance nenhuma de relacionamento amoroso com ela. Aliás, já tinha namorado na época da pós, por isso que não me apaixonei desde então. Só não sei se já era o atual. Queria apenas a sua amizade, afinal, entrei nesta maldita pós-graduação para fazer amigos e não apenas para conseguir um certificado que eu nunca vou usar.

Até que, finalmente, em setembro, na véspera do meu aniversário, ela falou comigo, após eu comentar sobre a imensa perda cultural que tivemos com o incêndio do Museu Nacional. Só que foi um contato frio. Disse apenas que se lembrava de mim da pós, sem se referir à minha ajuda.

Dias depois, ela me bloqueou no Instagram, após eu fazer um comentário infeliz (reconheço) sobre um livro que ela recomendou e eu não gostei. Sem querer, acabei atingindo as duas cadelinhas que ela trata como filhas com as minhas críticas. Desculpei-me, não sem antes de dizer-lhe algumas verdades raivosas, mas ela não aceitou e até agora não me desbloqueou.

Se eu tivesse dito um sonoro NÃO, quando ela me pediu para entrar no grupo de trabalho, teria sido grosseiro, mas hoje não ficaria com tanta ansiedade por causa dela, que se mudou para Brasília. Afinal, eu não me lembraria sequer do seu nome.

Gustavo do Carmo
Enviado por Gustavo do Carmo em 20/11/2020
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