Conversando sobre criatividade

Nós que somos ou fomos professores de português, sabemos quão equivocadas são as avalições que se fazem sobre nós. Muitas vezes nos acham tão sábios, a ponto de corrigir os grandes escritos. No meu caso, nada mais errôneo. Mesmo porque não devemos ser vistos como policiais da língua. Mas é incrível como essa percepção é disseminada. Há sempre alguém que diz ter medo de errar porque está falando com um professor de português. De minha parte, poucas (pouquíssimas vezes!) tive problemas dessa natureza, até porque sempre usei, nos meus colóquios, um registro muito informal, a ponto de que quem me desconhece dificilmente me imagina familiarizado com os mestres da gramática, embora tenha vivido de repeti-los, de comentá-los e de mostrar quando é muito importante seguir as suas orientações.

A par dos que nos julgam fiscais de posturas linguísticas, há quem veja no professor de português um poço de criatividade (e há aqueles que realmente o são), e, em razão disso, é comum nos outorgarem tarefas que são verdadeiros desafios. Desafios à nossa imaginação! Uma frase de efeito, uma quadra de felicitação, um pequeno poema, uma crônica sobre determinado tema! Ufa! É evidente que não faço referência a atividades escolares, nas quais qualquer interferência que não passe de uma pequena sugestão, de um estímulo, seria um lamentável equívoco. Refiro-me ao ‘pão, pão, queijo, queijo da vida’, em que nos ligam, nos chamam, nos pedem – como se insinuassem que somos capazes e, mais ainda, vamos resolver rápido. Ufa!

Relembro, neste espaço cronístico, dois belos casos. Era Natal e um dos shoppings da cidade ia dar um carro para a frase mais criativa sobre a época. Um automóvel zero quilômetro. Fui informado pela imprensa – e, pessoalmente, estava certo de que não concorreria, mas nossas certezas é o que há de mais incerto. Ato contínuo, uma vizinha, amiga antiga da família, me procurou e encomendou frases. Quantas eu pudesse fazer! Não declinei e fui à luta. Devo ter escrito meia centena ou mais. Possivelmente (não tenho mais as mensagens) resvalei pelos lugares comuns, aos quais tentei dar certa dose de beleza, aliada a uma linguagem compatível. Tinha eu certo conhecimento com a administração do shopping e, com desculpa da imodéstia, me imaginei declinando de um possível convite para participar da comissão julgadora. A verdade é que não fui convidado, e o meu Jesus – com presépio, anjo, reis, presentes – não premiou a querida amiga, o que nos traria enorme felicidade. Não anotei a frase vencedora, mas me lembro de que, à época, julguei que minha vizinha Vera também pudera ter vencido. O importante, contudo, é que houve vencedor, o concurso fora honesto e o prêmio foi entregue.

Da Vera vizinha passo a outra Vera – também vizinha –, desta feita numa situação menos divulgada, tanto que só fiquei sabendo por uma amiga, a qual insinuou que Vera Medeiros preparava uma frase. Um supermercado local ia premiar um cliente com cinco minutos de visita às gôndolas, tudo grátis, é claro. Pedia-se a melhor frase sobre a margarina Alpina. Pensei eu que brevemente receberia um chamado. E lá me vi lendo um pouco sobre o produto e perguntando às pessoas da família o que achavam da tal margarina. Mas a Vera não apareceu. Ela – que fora minha aluna, a quem eu tanto ajudara nos deveres escolares – caso tenha se lembrado de mim, esqueceu rápido, para sua sorte.

“Com Alpina no pão, você até esquece o Plano Verão”. Com essa frase, escrita à época em que o ministro Mailson da Nobrega lançava seu plano de estabilização econômica, Vera captou, acredito, o descontentamento popular com um plano que congelava salários, e assim a moça, sem qualquer ajuda, proveu sua despensa por alguns meses, com a assistência de minha irmã, que, cronômetro em punho, procurou guiá-la pelo melhor das prateleiras. Criatividade é criatividade!