A FAXINEIRA
A FAXINEIRA
Joãozinho, o dr. João Carlos, era o engenheiro fiscal das obras de construção do Centro de Apoio Ao Romeiro de Aparecida. Diariamente vinha de São José dos Campos à Aparecida, chegava muito cedo. Esperava Lindaura, a faxineira e copeira do escritório, fazer um café e preparar os pães com manteiga para os funcionários administrativos e técnicos. Para ele, eram os melhores momentos do dia. Sua mesa ficava em frente à pequena copa, na realidade um canto do escritório com pia, fogão e uma mesa. Joãozinho era o segundo a chegar, lá seis de manhã,e Lindaura já estava a postos terminando de varrer o local. Entrava no escritório, cumprimentava a faxineira efusivamente: “-Bom dia, com alegria!” . Lindaura olhava para João, dava um pequeno sorriso e respondia “-Bom dia dr.João!”. Joãozinho sentava em sua cadeira, abria a edição do “ O Vale” comprada na rodoviária de São José sobre a mesa, e se debruçava para ler as notícias. Após um breve momento em que parecia estar absorvido pela leitura, lançava um olhar para a moça, sobre os óculos pendurados na ponta do nariz. Lindaura, totalmente absorvida por seu trabalho, ignorava os olhares de Joãozinho. Diga-se que o olhar do engenheiro era uma mistura de várias motivações: análise das belas formas da moça, admiração por sua beleza e graça, curiosidade, um pouco de cobiça e desejo. Quem já assistiu documentários que mostram felinos em caça tem um parâmetro dessa maneira de observar as possíveis vítimas. Atento, cuidadoso, astuto, sem perder nenhum movimento do objeto alvo de seu olhar. E, acima de tudo, não se fazer perceber que olhava para Lindaura. Afinal era um senhor bem casado, com mais de trinta anos de fidelidade à esposa que amava. Essa admiração pela faxineira era espontânea e não possuía aspectos eróticos. Nem João entendia esse sentimento de todas as manhãs antes do início da jornada de trabalho. Era um homem probo e nunca fora acometido da curiosidade que Lindaura lhe provocava. Iniciado o período de trabalho, João iniciava sua atividades, fazia observações no Diário de Obra, uma vista de olhos no cronograma e projeto dos serviços em andamento, seguia para a obra. Fisicamente era magro, alto e mirrado. Possuia sessenta e cinco anos, nariz adunco e uma pequena cifose, conseqüência de muitos anos debruçado em projetos e contratos. Não era feio, mas beleza não era seu forte. Tipo da pessoa que não chama a atenção. Mas tinha muitas características interessantes. Bem humorado, prestativo e atento às suas funções, era engenheiro competente e buscava soluções dos problemas que surgem nas obras e que não são poucos. Fiscalizar obras de vulto requer conhecimento e consciência. João chegava à obra, conversava comigo, resolvia dúvidas e a maioria do tempo dedicava às conversas como trocas de experiências, piadas e outras amenidades. Eu era responsável pela gerencia da execução da obra, minha relação profissional com Joãozinho era ótima.
Voltemos à Lindaura. Essa sim era dona de uma beleza que chamava atenção à primeira vista. Aparentava ter a “idade da Lôba”, quarenta anos. Cabelos pretos naturais, olhos verdes garrafa, vestia-se adequadamente para eu trabalho e executava os serviços sempre vestindo uma avental branco. Mas percebia-se sutilmente que tinha corpo bonito, postura suave e firme, sem demonstrar que sua função a abatia, tratava a todos de igual para igual. Sempre olhava diretamente nos olhos das pessoas com quem conversava. Era impossível não ser atraído pela moça, mas seu comportamento não dava margem para uma abordagem. Com o passar do tempo, João, bastante atraído, se sentiu mais a vontade e todos os dias comentava sobre a roupa de Lindaura, ou sobre sua beleza, ou outro assunto qualquer, como notícias, climas e banalidades em geral. Lindaura, enigmática, sorria dos elogios de João, sem sinalizar agrado ou irritação. Após três meses João escancarou suas mensagens diárias, e iniciou a convidar a moça para almoçar com ele.
Lindaura comentava: “- Seu João, o senhor e eu somos casados.” E continuava a varrer ou fazer café. Joãozinho, respondia que almoçar não tirava pedaços e não comprometia ninguém. Meu amigo chegava à obra e comentava comigo que a Lindaura estava linda, que brincava com ela convidando-a para almoçar e como a faxineira era séria em suas respostas. Mais um tempo se passou e os convites se repetiram. João passou a fazer convite para jantar com Lindaura, sempre recebendo negativas da moça. E isso se prolongou, eu mesmo me perguntava qual epílogo dessa trama. João nunca fez comentários exagerados ou grosseiros sobre Lindaura. Belo dia, como João fazia tempo não comentava sobre a linda faxineira, perguntei como estava sua comunicação com ela. João respondeu: “-Acabou. Dias atrás perguntei se ia ou não jantar comigo, ela quis saber o que eu faria caso o convite fosse aceito.”
Falei: “- E daí?”
João: “- Eu nunca havia pensado que um dia ela concordaria e respondi não saber. Nesse momento o encanto acabou. O melhor de tudo era aquele jogo diário de convites e recusas. Lindaura, além de linda é inteligente. Acabou com minhas expectativas.”
Viraram bons amigos. Sem convites e recusas. Joãozinho, onde estiveres, um grande abraço.