Os óculos e o tempo
Em que momento da vida percebe-se a passagem do tempo?
Nas costas que doem?
No sono implacável logo depois do café da tarde?
Em gostar de ficar dentro de casa?
Para mim, isso se deu quando eu fui obrigado a usar óculos de leitura.
Agora tenho dois óculos: um para ver de longe, dirigir, cozinhar, fazer atividades ao ar livre; e outro para ler, usar o computador e celular.
Triste destino de olhos tão curiosos. Ainda que tal drama não se justifique em escala tão aguda, confesso.
Mas entendo que é um sinal.
Um sinal inequívoco do decaimento do corpo.
Ainda que eu possa enxergar de tudo, deve haver um momento em que nem tudo se deseja ver.
É fato que as pálpebras nos ajudam a escolher, fechando-as ou não, o que olhar. Mas não é um ato somente físico a que me refiro.
Há um momento da vida em que se escolhe o que realmente precisa de atenção.
E neste momento, é necessário focar os sentidos neste algo fundamental, nesta coisa qualquer que cada ser humano há de definir quase que exclusivamente.
Com ou sem a necessidade de óculos, em algum momento os olhos devem olhar para algum lugar bastante específico e especial.
Por mais utópico que seja, é este vislumbre de futuro que nos move quando começamos a contar o tempo regressivamente.
Jefferson Farias
Publicado originalmente em:
https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/11/16/os-oculos-e-o-tempo/