O Menino e a Figueira

17/11/2020

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A estrada seguia seu ritmo de construção. As máquinas iam e vinham sulcando a mata virgem, despejando-a de chofre nos caminhões com suas caçambas grandes, altas e largas. O cheiro úmido dela rasgada misturava-se ao da fumaça, do óleo. Parecia que chorava.

O menino assistia a tudo do alto da sua Figueira, entretido e curioso para saber o que acontecia. Acompanhara desde o seu inicio, com alguns homens abrindo picadas pelo mato, carregando aparelhos esquisitos, mais parecendo lunetas, que olhavam por ele e acenavam para outros homens ao longe, que seguravam grandes tábuas de madeira riscadas, fincando depois estacas no solo.

Perguntou ao pai o que acontecia:

-É esse tal de progresso meu filho! Tão construindo uma estrada que vai incomodar muito o nosso sossego aqui!

-Será que vão derrubar a minha Figueira, pai?

-Filho, sei não! Esse progresso é uma coisa séria, vem incomodar a gente que nada tem e tiram mais ainda da gente! A mãe quieta escutava a conversa.

Moravam no alto de um morro, em casebre de madeira tosco construído pelo pai na faixa de terra que herdara do seu pai. Criavam galinhas, porcos e algumas vacas magras para leite. Tinham também uma roça de milho, feijão, mandioca. Era ele a mulher e o filho que viviam no seu dia a dia sem progresso, seguindo como seus pais, avós, ao sabor do que a natureza lhes dava. Não precisavam de mais nada para a vida.

E desde sempre, a Figueira esteve lá, imponente e antiga, velha talvez, com suas barbas escuras, mas já um pouco grisalhas, balouçando ao vento : a inseparável companheira do menino.

Os dias iam passando, o menino observava a longa faixa que calava os morros, derrubava arvores, expulsava animais, estourava pedras com explosões ensurdecedoras, assustando-o. Uma cobra feroz que a cada dia, mais perto deles chegava, inevitavelmente.

-Pai, o progresso tá chegando perto da gente?

-É, meu filho, tá sim! Fazer o quê...

-Mas pai, ele não pode derrubar a minha Figueira!

-Quem sabe meu filho, quem sabe... - diz o pai conformado.

Desse dia em diante, o menino passou a morar na Figueira, não descia mais para nada; só lhe interessava o caminhar da enorme "víbora" que chegava, faltando pouco para engoli-los. Sentia-se desamparado, preocupado.

-Desce dai menino, para com besteira, se tiver que derrubar a Figueira, não tem o que fazer! – falava-lhe a mãe.

Irredutível, seguia ele lá fizesse sol, chuva, frio ou calor. Ficava sentado em um côvado entre os galhos fortes e firmes da árvore, como um colo, aconchegando-se a ela e ela a ele. Muda, também acompanhava a chegada do progresso, protegida por ele.

Semanas se passaram, então um dia, um dos homes da luneta veio bem perto deles, e o menino curioso desceu da Figueira para saber o que ia acontecer.

-Bom dia moço? O progresso vai derrubar a minha arvore? – perguntou.

-Bom dia. Olha garoto, como é uma arvore centenária, acho que não, pois é proibido por lei. Inclusive o traçado da estrada vai mudar por causa dela.

-Traçado moço?

-Sim, o caminho, a estrada dos carros vai passar longe dela, não vai ser derrubada não!

-Então o progresso não vai derrubar a minha figueira moço?

-Não, não vai não! – respondeu rindo.

O menino subiu exultante nela, acariciando a sua casca rugosa e áspera e falou:

-Você vai ficar minha querida companheira. Vai ficar!

Agora, do alto da sua copa, via que o progresso seguia o seu curso, mas de alguma forma, as suas vidas não seriam mais como antes.

Somente a sua Figueira permaneceria para sempre a mesma: bela e imponente, imutável.

Ficou feliz, pois para ele era o que importava.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 17/11/2020
Reeditado em 17/11/2020
Código do texto: T7113863
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