Vez ou outra a caixa da lembrança é resgatada de seu esconderijo secreto. É uma espécie de tesouro imaterial impagável. No seu interior cabem momentos inesquecíveis, fotografados pela câmera mental, onde nem sempre a qualidade era intrínseca. Mas até a ausência de foco, deve ser vista como premiação. Fez-me lembrar de meu avô e suas tão assanhadas histórias. Não sei se era criativo em demasia ou se a vida lhe era generosa a ponto de permitir viver de um modo tão particular. Sentado à cadeira de balanço, folheava páginas que por trazerem pouca ilustração, não nos prendiam pelos olhos, mas sim, frente à habilidade do contador em cada cena. Narrando enredos tão próximos do nosso cotidiano, ele plantava uma semente de curiosidade, cujos frutos eram espalhados pelo chão em montagens, da toca do coelho ao salão de beleza da Mel. Quantos personagens daquele livro que passou em minha vida, dando vazão às peraltices de criança fui eu? Mal sabia que o futuro reservaria uma descobertas, já que os anos iam sobrepondo a capacidade que aquele livro tinha de abraçar personagens. O livro era infinito até que meu avô contou sua última história. Anos depois, ao resgatá-lo, queria reler cada capítulo para eternizar um tempo tão sólido de sentimentos. Eis, pois, que ao abrí-lo, não conseguia encontrar a galinha que botava ovos azuis, nem a rainha da bateria da escola de samba Colibri, tampouco o vagalume que morria em duas semanas porque gastava muita energia, porque o livro, na verdade, era uma enciclopédia e os contos que trazia eram a interpretação afetiva de meu avô que permanecem na memória. Será que lá no céu tem desses livros ?