Ações Revelam Reais Intenções
Foram muitos os convencidos pela plataforma de campanha de Bolsonaro, pela continuidade do novo cenário trazido pela Lava Jato ao combate à corrupção. Foram muitos os que se entusiasmaram pelo convite (com carta branca idêntica a dada ao responsável pela economia) e aceitação de Moro, para se encarregar da coordenação da execução dessa plataforma no âmbito do governo federal, como Ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Entusiasmo mais do que justificado, pois o trabalho de combate à corrupção alcançara resultados nunca antes atingidos, excluindo-se o núcleo político responsável pela guarda dos cofres públicos, que venderam o segredo, desmobilizaram a vigilância e a fiscalização, facilitando, praticamente, abrindo os cofres públicos, numa ação entre amigos com o privado.
Núcleo político poupado com a impunidade gerada pela combinação de privilégio de foro (Foro Privilegiado) e incompetência funcional do STF, como corte criminal.
Pela manhã de 19/02/2019, o presidente Bolsonaro assina os três projetos com mudanças na legislação (Pacote Anticrime) e, à tarde, o então ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro leva a proposta ao Congresso.
O entusiasmo teve seu coroamento com a transferência do COAFI do Ministério da Fazenda para o ministério ao qual se entregara a coordenação da plataforma de combate á corrupção, ampliada para o crime organizado e milícia. Entendo que essa mudança do COAFI tenha sido motivada pela experiência de asfixia financeira ao crime organizado, usada em alguns outros países, como Singapura, e o conhecimento real da dimensão de a impunidade Brasil. Mas, foi só daí em diante que os fatos revelaram as reais intenções.
Em 22/05/2019, quando da análise da MP 870, o “Centrão” e boa parte da oposição aprovaram o retorno do COAFI para o Ministério da Economia. Se o COAFI continuasse, pelo menos no mesmo nível de cooperação, a facilidade para lavagens de dinheiro sem riscos, impunes, ficaria bastante dificultada.
Em agosto de 2019, o Presidente Bolsonaro edita a MP 893/19 cuja mudança descaracteriza e enfraquece o combate á corrupção. O COAFI passa a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF) vinculado ao Banco Central e com um Conselho de oito a quatorze membros e com quadro técnico administrativo composto por ocupantes de cargos em comissão e em função de confiança, servidores, militares, empregados cedidos ou requisitados e servidores efetivos. Desmobilização e desestruturação certamente apreciada pela lavanderia Brasil.
Seria ingenuidade supor que a corrupção epidêmica nas mais diversas áreas da federação, o crime organizado e a milícia, esta com participação efetiva de agentes públicos, ou seja, que esse câncer bem avançado, em metástase nessa república, marcada por violência, criminalidade e corrupção, também não se articulasse e tentasse em vez de fortalecer, enfraquecer o combate ao crime organizado, ás milícias e à corrupção.
Assim, o Congresso, com muitos casos de parlamentares envolvidos nesse tijuco, incluiu algumas alterações nesse sentido. Entre essas o Relator da Comissão, que apresentaria o Relatório Substitutivo do Pacote Anticrime para ser levado ao Plenário da Câmara, deputado federal Lafayete de Andrade, do Republicano (Centrão) por MG, incluiu o que se tornaria o Artigo 316 do Código do Processo Penal.
Essa e mais dezenas de alterações foram feitas. Depois da tramitação no Congresso, foi para aprovação pelo presidente Bolsonaro que, vetou série de absurdos, mas aceitou outros que, segundo ponderações de Moro, dificultariam o combate à corrupção, como o tal artigo 316, criado para dificultar as prisões preventivas, o consequente sucesso com as delações premiadas e, até, favorecer “habeas corpus” e liberação de presos condenados em segunda instância.
Daí em diante houve processo de fritura, assim como aconteceu com Mandetta, no ministério da saúde. Somente que Mandetta mais experiente nesse ambiente de política, seria melhor politicalha, não pediu demissão.
Esse processo de fritura de Moro, além das investidas nas na Polícia Federal, chegou ao ponto de Bolsonaro anunciar, em tom um tanto estranho a quem exerce a presidência da república: “tem ministro se achando, mas sua hora vai chegar”. Culminou com o conflito mais do que divulgado e até fruto de investigação... Em 24 de abril 2020, Moro anuncia sua saída de o ministério da justiça e segurança pública.
Além disso, Bolsonaro escolheu muito bem o Procurador da República que tomou série de medidas para enfraquecer àquela que alterou o cenário de combate á corrupção e criminalidade, anunciando dias menos preocupantes aos criminosos em geral.
Mas, mais do que todos esses fatos reveladores das reais intenções, divergentes do que motivou muitos a o elegerem, foi a declaração de o presidente da república federativa do Brasil, Jair Bolsonaro feita em 07 de outubro de 2020, durante cerimônia de lançamento do programa Voo Simples, para desburocratizar o setor aéreo: “é um orgulho, uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa nossa, que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo".
Como cidadão octogenário, fui formando opinião em cima de fatos e com relação à assertiva tão contundente e explícita, no gozo das liberdades individuais, argumento, chego quase a contestar.
Primeiro: não foram somente suas ações. Sem o reforço de nosso Congresso, do Procurador Geral, do STF e de nossa omissão, a Lava Jato não teria chegado a essa desestruturação, enfraquecimento, praticamente, ao fim, em vossa afirmativa.
Segundo: os que acompanham essa nossa política rasteira, minúscula, sabiam que para governar, nesse nosso presidencialismo, precisa praticar a tão repelida, em campanha e no início do seu governo, a tal política velha (fisiológica, corporativa, patrimonialista e corrupta).
Lotear ministérios é preciso. Aí, ao escolher como um dos beneficiários de pedaços de ministérios com polpudos recursos, legenda de muita importância, para a outra faceta desse mesmo presidencialismo, a governabilidade, PP – Partido Progressista, vossa afirmativa “não tem mais corrupção no governo”, tem expectativas não muito favoráveis.
Existe sabedoria milenar, expressa nos ditos populares “o lobo muda o pelo, mas não as intenções” e, outra, espécie de lei construída no bom senso, que diz: “se no histórico de comportamentos, expresso em fatos, existir registro com incidência significativa, a expectativa é que ocorrerá o mesmo em situações semelhantes”. Ilustração, tomando o futebol brasileiro como exemplo.
Tem-se a expectativa, com técnico que costumeiramente é expulso por indisciplina, de que nos próximos dez jogos, o evento se repita, pelo menos uma vez. Aquele jogador, que todos reconhecem como craque, mas que também é reconhecido como displicente, que erra passes e coloca em risco o esquema defensivo do time, que já foi responsável devido a esse comportamento por gols sofridos pelo time que o contratou, a expectativa é que ele apronte outras vezes.
Assim, e o histórico que nos leva de forma coerente, de forma racional a determinada expectativa. Veja nas delações premiadas, veja nos indicadores do Congresso em Foco, veja nos poucos políticos julgados e processados no Mensalão, Petrolão ... Se observar, no atual governo as legendas às quais foram loteadas pedaços de ministérios com recursos significativos, em especial o PP, a expectativa é de que teremos corrupção.
Evidentemente, que ninguém chega a cargo majoritário dessa, ou de qualquer outra república, sem informações maiores, de melhor qualidade e quantificadas com mais propriedade. Ou seja, nada do que cidadão interessado tem conhecimento é novidade, para quem exerce função de direção ou de representação popular nos três poderes.
O lobo muda o pelo, mas não as intenções. Não são as palavras, mas as ações que revelam as reais intenções.