Conhaque

Laís foi embora com um dos meus livros debaixo do braço.

Achei que não fosse mais voltar. Mas eu não tinha dentro de mim, nada mais para lhe dizer que pudesse fazê-la ficar.

Tudo bem. Algumas derrotas são inevitáveis. Para essas horas é que existe o conhaque e eu tinha algumas garrafas sempre comigo.

Não tentei fingir para mim mesmo que estava tudo certo. Me deitei na cama e fiquei completamente imóvel esperando a morte me levar. Mas ela não veio... claro. Quando me cansei de esperar, me levantei com uma risada, pela minha própria estupidez.

Era verão, mas chovia do lado de fora. Intermitentemente. Pensei em sair à rua e encher a cara. Só pra não ficar dentro de casa, mas a chuva me fez mudar de ideia.

Então ela voltou, toda ensopada, pela mesma porta que tinha deixado aberta, e jogou o livro bem no meio da minha testa.

Achei engraçado, apesar da dor

Ela ficou me encarando com aquele olhar de animal selvagem, que eu tanto gostava.

Os cabelos azuis e os piercings, a aparência rebelde, o sorriso solto... Não sei dizer o que me chamou a atenção pela primeira vez. Mas foi pelo olhar que eu me perdi para ela.

Laís não disse nada. Talvez esperando que eu abrisse a boca.

Fui até ela e fechei a porta.

- O que você quer que eu faça? – Perguntei.

- Não quero nada de você. – Ela respondeu friamente.

- Não é o que parece.

- Você se acha muito inteligente mesmo, não é?

- Na verdade não. Acho até que sou meio estúpido.

Ela riu.

- Eu não sei o que me dá. Não sei o que me traz até aqui. Até você. – Ela falou depois que o riso morreu no meio da sala.

- Às vezes eu me pergunto a mesma coisa. Geralmente eu fico bem sozinho. Mas quando você saiu eu achei que ia implodir com o silêncio que você deixou.

Laís largou no chão a mochila que trazia nas costas, e olhou diretamente nos meus olhos.

- E por que nós não podemos dar certo?

- É isso que você quer?

- Claro.

- E pra você, o que significa dar certo?

- Não sei exatamente.

- Pois é. E quem sou eu pra te ensinar?

Ela largou mão da dureza e finalmente me abraçou. E eu senti suas unhas arranhando minha pele por debaixo da camisa.

- Não me faça me sentir uma escrota. – Ela sussurrou, com a cabeça aninhada no meu peito.

- Você não é nada nem perto disso.

- E você não se importa que eu saia com outras pessoas?

- Na verdade, não.

- Então você não me ama.

- Ou talvez te ame demais pra querer te prender no chão.

Laís me largou e me olhou novamente. Dessa vez eu só pude ler tristeza e confusão nos seus olhos.

- Eu só queria que as coisas fossem mais simples. – Ela disse, tentando segurar um choro, que talvez ela estivesse guardando ha muito tempo dentro de si. Por essa e por outras coisas mais que lhe pesavam nas costas.

- No fim, todas as coisas se acertam. Contanto que você não continue jogando livros na minha cara, tudo vai ficar bem.

Um sorriso se formou no rosto dela, e de ponta de pés, Laís se esticou pra me beijar e se pendurou em mim, com os braços ao redor do meu pescoço.

Logo, nossas roupas estavam espalhadas pelo chão da sala, como de costume, e a chuva voltou a apertar do lado de fora.

A vida seguia e o conhaque pelo jeito, ficaria para outra hora.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 15/11/2020
Código do texto: T7112414
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