O Jogo *

Corinthians e São Paulo, interior do estado. Lugar tranquilo para uma cerveja bem gelada e Timão campeão. Meu cunhado, também corintiano, conhecia um lugar sossegado e legal. Para quem saiu de Guarulhos, qualquer lugar nesse mundão de meu Deus poderia ser mais seguro. Não foi bem assim.

O barzinho estava lotado de são-paulinos, isso foi o suficiente para me deixar pilhado. Mas tudo estava tranquilo, afinal o jogo ainda não havia começado. Foi quando covardemente fui atingido por uma tampinha de garrafa. Eu tinha que contar até dez. Mas um curto-circuito na minha mente permitiu que eu raciocinasse durante uns dois segundos e esquecesse de contar. Na Grande São Paulo, a sobrevivência me ensinou a tática do chihuahua: fazer muito barulho para intimidar o oponente, independente do tamanho. Foi o que fiz.

Eu levantei gritando e fui virando para ver quem havia ousado arremessar aquela ameaçadora tampinha de garrafa. O bar parou, e acho que naquele momento eu fiquei conhecido em terras distantes e passei a ser apontado como “aquele cara”. Quando terminei de virar, vi que o autor do disparo da perigosa tampinha de garrafa era, na verdade, a autora. Uma mulher. Naquele instante, meu cérebro deu um nó. Durante uns dois segundos tive que decidir se daria continuidade àquela palhaçada. Percebi que os clientes, os atendentes, os donos, os transeuntes e meu cunhado, incrédulo, esperavam o desfecho daquele show. E eu não podia decepcioná-los, então, como quem foi alvejado por uma granada sem pino, continuei com a inesperada e absurda reação.

Se isso fosse um jogo de truco, eu teria trucado sem carta: três... seis... nove... doze! No pôquer: all in. Na guerra: incinerado o navio e a ponte. Para mim, não tinha volta.

Eu não podia fraquejar e recuar, então sentei no meu lugar, como quem sabia o que estava fazendo. Quem me viu, não desconfiou que eu pensava: que merda que eu fiz! Depois dessa performance, eu só aguardei alguém, na razão de quem via que aquilo não era razoável e proporcional, levantasse com uma tocha, apontando pra mim, ordenando: queimem-no. A partir daí, numa cidade remota, eu seria imolado, como um forasteiro insolente, em praça pública.

Só sei que eu proporcionei o melhor pré-jogo da história. Dizem que foi melhor que abertura de jogos olímpicos e teria que ser atração fixa no intervalo do Super Bowl. A partida passou a ser a atração secundária.

Vários amigos do meu cunhado chegaram, então se houvesse uma briga não precisaria mais de uma equipe médica multidisciplinar. No intervalo, eu levantei e fui na direção do grupo de onde partiu o material contundente que quase me feriu. A galera deve ter pensado que no intervalo do jogo o espetáculo recomeçaria, mas, depois de 45 minutos de reflexão, eu fui conversar. Como um pistoleiro do Velho Oeste, um ser que veio da Terra Média ou um membro de uma gangue de Nova York, eu disse alguma coisa como: da terra de onde venho, isso é motivo de briga. Faltou eu exibir um cigarro no canto da boca.

A final afinal terminou, Corinthians campeão, eu pareci um ser humano acessível e, apesar do início ameaçador, socializei bem.

Aprendizado: é melhor parecer um cão São Bernardo - “tranquilo e infalível como Bruce Lee” - com um barrilzinho de conhaque pendurado no pescoço.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 13/11/2020
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