Geração fura- bolos
O cantor e compositor Bryan Ferry, líder do Roxy Music, disse numa revista que sente saudade dos anos 1980 porque era fisicamente mais jovem e porque não existia celular, redes sociais e as relações eram mais intensas. Quanto ao fato de ser fisicamente mais jovem, é assunto para outra crônica pois já escrevi alhures sobre garotos que morreram e esqueceram de cair. Por exemplo, certa passagem de ano em que conheci uma moça que chamava a mãe para dormir antes da queima de fogos da meia noite. A mãe lá fazendo amigos, aproveitando a viagem, flertando e a filha querendo dormir. Depois dizem por aí que a mocidade é sinônimo de viço. Balela. Um recado meu para quem tem mais de cinquenta: “ A juventude não está com essa bola toda.” Nisso eu me incluo, claro. Velhos hoje em dia tocam guitarra na virada cultural, escrevem contos, sem falar em mulheres acima de cinquenta na Savassi com óculos escuros, short curto e chapéu. Maduros hoje em dia riem mais. A garotada está séria, triste e careta.
Voltando ao assunto: o celular. Nas últimas semanas, acompanhei a mostra do Almodóvar, no Cine Humberto Mauro, Palácio das Artes. Todos os dias o cinema estava lotado. Na tela: paixões humanas elevadas ao cubo, as cores, mulheres histéricas, dor e vida. De repente, uma menina deixa o namorado sozinho na fileira e sai tateando a parede procurando tomada para carregar o celular. Não sei se sou meio antiquado, mas é esquisito pra burro. Ao sair do filme, olho em direção ao banheiro e dois rapazes encontraram outra tomada e sentaram-se no chão, plugaram os telefones e teclavam. Esqueceram das mesas no café, do Capuchino fumegante, de quantas possibilidades de boas conversas. Entraram na película e saíram do mesmo jeito. A arte parece não ter cumprido seu papel. Alguém me disse uma vez que somos “a geração fura bolos”. Achei a frase ótima.
Depois de um tempo, olhei para a cafeteria. Homens e mulheres, cada um numa mesa, conectados. Ou melhor, desconectados. Do mundo, dos outros, da arte. De tudo. Não para por aí. Andei pelas ruas a via homens no meio fio vendo redes sociais, na porta das lojas fechadas, nos bares diante de uma garrafa de cerveja e uma porção. Nunca vi tanta gente solitária. Nem tão deprimida.
Felizmente, alguns fogem ao comum. Sábado fui ver “A flor do meu segredo”. Sem mais, uma atriz senta ao meu lado e puxa conversa. Falamos dos meus poemas, da carreira dela, sentamos juntos para ver o longa e no final da noite eu estava com ela e mais dois amigos dela tomando uma cerveja num bar da Augusto de Lima. Rindo e bebendo com gente que há poucas horas me era desconhecida. Se o coração dos outros estiver fechado para os encontros, mantenha o seu aberto. É como diz um samba antigo: “Se você saiu por aí e não conseguiu encontrar alguém, deixe que alguém saia por aí e consiga encontrar você.”