A caminho de Fortaleza!
E aí aquele dia ansiosamente esperado chegou!
Naquele lugar naquele tempo, tudo dormia cedo, Imagina eu com 5 anos.
Mas a noite passada demorou a chegar, porque ontem eu queria dormir já de manhã cedo, desde cedo.
E como o dia da véspera foi longo, a hora de dormir não chegava nunca.
Mal o dia nem chegou a clarear direito e eu já estava de pé, de malas prontas. (minha avó cuidou, então tinha duas semanas que já estavam prontas).
O fogo já estava aceso, a lenha ardia em estalinhos, saltavam rápidas fagulhas luminosas que no mesmo instante também desapareciam.
Meus olhos parados nas labaredas, ao mesmo tempo gravavam tudo ao redor, parado por fora mas a mente voava a toda…
Era muita emoção, expectativa pelo novo e desconhecido próximo dia.
Eu oscilava entre alegria, euforia, saudade, medo e 1000 perguntas não formuladas à espreita.
Queria guardar tudo na memória, a casa dos meus avós, cada detalhe daquela vida.
Criança não entende direito despedidas, apenas sente.
Mas aquele cheiro de café torrado em casa misturado com tapioca de goma fresca do sertão..., minha avó passando nata de verdade que nunca mais provei igual.
Notei desconfiado meu avô do outro lado da mesa me olhando, me olhando, me olhando…
Confesso que demorei mais de 50 anos para entender aquele olhar, hoje eu sei.
Madrinha Conceição juntou-se a nós e tomamos aquele café da manhã diferente, cada um com seus pensamentos e silêncio.
Depois fomos andando sem pressa para a estação do trem em frente a casa.
Lá chegamos e foi outra espera grande para mim.
Finalmente escutei o apito da Maria Fumaça ainda longe, mais um tempo e apontou na curva, ela também não parecia ter pressa nenhuma, só eu.
Chegou a hora, bilhetes conferidos entramos no vagão, meu avô colocou as malas nas prateleiras, nos deixou nos acentos e me abraçou demorado.
Depois apertou a mão da madrinha Conceição que me levaria e disse alguma coisa a ela.
O sino da estação avisou que chegava a hora de partir e meu avô ficou me olhando de novo, saiu com minha avó, demorou um pouquinho, voltou e depois de me abraçar, beijar e abençoar novamente saiu.
O trem apitou, soltou uma baforada de fumaça, outra nuvem de vapor e partiu lentamente.
Acompanhei pela janela o quanto pude meus avós ficando, até chegar a curva e pronto. . .
Agora vai, pensei, (nada de chifre nem esporão daqui pra frente), fiquei por um tempo lembrando dos olhos azuis do meu avô, e a parte branca meio avermelhada.
Mas eu estava eufórico porque afinal estava indo encontrar minha mãe e minhas irmãs, eu estava indo para a Capital.
Já pensou?
Amanhã estarei em Fortaleza.
Como seria tudo por lá?
E meus amigos daqui? ou de lá?
Afinal onde eu vou morar agora?
É, agora eu estava já viajando, mas não parecia chegar nunca.
Acho que já comi daquela galinha caipira na farofa até dizer chega, banana, laranja, pinha condessa, e tome serras, pontes, rios, açudes, morros e muito verde.
E este trem não muda nem o tom…
É todo tempo truco truco truco, passando entre as brechas dos trilhos, aqui acolá um apito, uma outra fumaçada ou baforada de vapor.
Agora as paisagens, estas sim eram magníficas, com uns tons de verde tão ricos que não se vê em todo lugar.
Uma ponte sobre um rio pode ser mágica, mas é muito zoadenta enquanto a gente passa.
Aquele monte de ferro por cima do rio e ainda mais com um trem passando nela isto é demais.
Outras vezes um cortado no meio atravessando a serra parece de outra realidade, talvez saído de algum livro ou quem sabe de um conto extraordinário.
Não tem buracos nas estradas, mas os bancos eram de madeira, então depois de um dia todo, sentado, em pé ou escorado seja como for, não é moleza.
Foi-se a manhã a tarde e ainda a noite e nada de chegar.
Então no dia seguinte depois de umas 20 horas viajando, chegamos finalmente em Fortaleza 6:00 horas da manhã.
Madrinha Conceição fretou um jipe e leu o papel com o endereço para o motorista, daí seguimos para casa onde minha mãe e minhas irmãs nos esperavam.
Deus do céu, que lugar barulhento foi minha primeira impressão, de cara pra Praça da Estação cheia de ônibus, alguns Jeep comparando com a Ingazeira do Norte, distrito no sul do Ceará, de apenas uma rua e nenhum carro…
Vi pela primeira vez calçamento de paralelepípedos bem certinhos, (o palavrinha difícil), nunca tinha visto uma coisa assim nas ruas.
Passado um certo tempo o carro parou numa ruazinha de terra, na frente da primeira de um grupo de casas todas iguaizinhas.
Desci e corri pra dentro do jardim, abriu-se uma janela e minha mãe apareceu na portinhola.
Feito um gato a subir na soleira, entrei pela janela e mamãe me pegou no abraço de mãe com saudade.
Eu estava em casa em Fortaleza, na Capital e era 06/10/1964.
Como Dona Hilda havia prometido, ela e os filhos moravam todos agora juntos novamente e na Capital.
Delmy Oliveira
17/05/2020