Na minha terra...
De onde eu venho, todo João que é compadre de todo José sabe que mulher do outro, a Maria, além de sua irmã, é também Filha de Maria. E mais ainda, os meninos do Zé, são seus afilhados. Depois, se o Zé faltar, eles passam a ser filhos do João.
Tenho lembrança de um caçoá de pinha condêssa, manga ou abacate na sala e note que não temos pé de nenhum deles no terreiro. Mas lá a coisa é assim mesmo.
A minha avó saía para visitar alguma comadre e deixava a casa toda aberta, para que alguém pudesse olhar as panelas e não deixasse queimar o almoço, nem apagar o fogo de lenha. Além do mais se ficasse fechada, pra num entrar os bichos, a tranca era uma tramela mesmo, bastava passar a mão pelo buraco da parede e puxar o toco de vara da tramela.
Se pra um a roça era fartura, dividia com outro que não tinha sido tão bom, trocavam mercadorias, pesavam na mão, tipo assim (óia, deve ter uns três quilos de queijo aqui...).
Leva comadre, rapaduras e uns queijos de qualho, estão bem fresquinhos e com pouco sal.
E dia de feira? Vixe Maria... Era alegre por demais. Vinha gente de toda a redondeza lá para nossa casa. Tanto do Alto quanto do Baixio.
Em dia de trem a estação ficava cheia de sons, cores, malas, pacotes, carroças, chapeados, vendedores de bolos, tapiocas, chás e cafés, frutas, garapa de cana com pão doce, chapéus, roupas cheirando a guardado e sapatos lustrosos.
Uns ansiosos esperando notícias ou encomendas, outros trazendo coisas para despachar para outras cidades, até pra capital.
O importante é que nós morávamos em frente à estação, e sempre tinha espaço para mais uma rede e uns trecos de algum compadre.
Lá em casa, era casa de artistas, a família de meu avô paterno já fabricava instrumentos musicais tipo viola, rabeca, violão, bandolim e cavaquinho, nem se sabia há quantas gerações.
Daí nestes dias não tinha como faltar um regional, que se juntava de repente, sem ensaio, apenas iam chegando... Ô meu Deus, como era animado... Tudo misturado, música, falatório, cheirão de comidas no fogo, frutas, refrescos e pinga no ar...
Nos domingos então, todo mundo vinha com roupa de missa, nas barbearias, armazéns e bares era uma agitação só, a conversa sendo posta em dia, a perfumaria no ar, todo mundo bem barbeado até a próxima semana.
O sino anunciando a cada quarto de hora e o carrilhão alegre. Eita... Dá até para ver as andorinhas em volta da igrejinha bem branquinha de portas azuis da cor de anil, e do cruzeiro de uns cinco metros de altura, bem no meio da pracinha em frente. Meninos correndo pra todo lado, uns chorando botando álcool ou mercúrio nos arranhões...
E o cheiro de café torrando em casa?
E o da moagem de cana no engenho?
E o bagaço da cana queimando?
E a farinhada?...
Uma boiada como seus chocalhos e mugidos passando ao longe...
Algum carro de boi gemendo e passando lentamente por aí...
O apito do trem antes da curva grande...
O Jeep do seu doutor vindo na frente da nuvem de poeira vermelha...
Cheiro e som de caminhão Chevrolet...
Nossa Senhora do Céu, que saudade danada...
Delmy Oliveira
jdelmy@gmail.com
Fort. 15/10/2002