A decapitação da sobrevivência
(Pelos "Caminhos e Trilhas" dos que nunca cantarão o hino do Piauí, nem do Brasil)
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O sol desliza seus últimos raios cor bronze sobre águas enodoadas. Pés calejados caminham serenos rumo à ribanceira; trincheira da sobrevivência por este dia. A ira da fome fungando pelas narinas calcinadas na poeira do tempo. Tripas corroendo tripas, dignidade destruída...
Daqui um pouco, o primeiro ataque.
A cabeça rola entre capins, num só golpe. O sangue escorrendo no corpo enrugado vai depositar-se junto à parte decapitada. Não há sentimento de culpa. No front da sobrevivência, a morte é rotina: matar para sobreviver!
Longe, roncos de máquinas potentes cortam o lamaçal. Prenúncio da presença de uma horda contrária, homens enlameados por prazer. Obesos ao volante guiando máquinas entre espectros de fome; o prazer da gargalhada estridente - ensopada na cevada gelada – tinindo como zombaria nos flancos da luta dos sobreviventes da fome: "Caminhos e Trilhas", entre lama, pedregulhos e folhas das diferenças sociais.
Mais um golpe certeiro. A lâmina cortando carne fresca ao meio. Uma vida se esvaindo para salvar outra vida. O corpo se contorcendo de dor enquanto é jogado barranco abaixo.
- Junta aí, menino, hoje vai ser uma festa! – Cúmplices da sobrevivência: pai e filho! Culpa de morte sem transparecer em nenhum rosto. Rotina! Igual aos sorrisos escancarados no tempo perdido dos aventureiros dos lamaçais: “Enquanto matamos o tempo, ele nos enterra” – sem glória, sem riso, apenas o vazio de alegrias vãs...!
Segue a matança. Longe, nas jaulas de concreto, homens do saber se digladiam pela fama da posteridade. Aqui, sou testemunha de um mundo selvagem entre clarins de uma louca Era Tecnológica: discussão de plágio, questionamentos de honraria intelectual, ataques à honra dos QI bem dotados...Guerrilheiros entrincheirados nos flancos virtuais, camuflados por diplomas passageiros. Dom da inércia que não sacia a fome de analfabetos, vítimas do fuzilamento dos descasos sociais.... Somos flancos atiradores apertando os gatilhos da omissão do dia-a-dia, camuflados em eternos clichês: "É preocupação governamental, pago meus impostos em dia..."
O sol já se vai morrendo. A lâmina é guardada no capinzal. Os roncos dos motores já se vão, longe; rumo a um outro sarau. Voltarão no ano que vem - prometem trazer “mudas” para compensar o dano à natureza. Virou moda...!
- Vamos, tá na hora da segunda matança!
A primeira isca no anzol é sempre a cabeça decapitada da minhoca. Coisa de índio e pobre: a cabeça ainda é o melhor troféu.
Quem se habilita ao primeiro "corte"!?
Até mais ler pelas decapitações intelectuais da vida.