Nossa terra, nossas gentes(...a Ermelinda mucubal a corda e o banquinho)

Tempos de momentos bonitos aqueles, e nós cheios de ternas lembranças, agora.

Mesmo que o tempo leve embora muitas coisas não poderá apagar as boas recordações e ficará a gratidão eterna ao destino, e à vida, por termos conhecido aquelas terras lindas e uma cidade pequenina que jamais será esquecida: Moçâmedes no deserto do Namibe ao sul de Angola.

Por vezes os caminhos da vida cansam mas nós , nascidos em África sempre teremos vontade de olhar para trás, para as nossas vidas, e dizer: fomos felizes, muito felizes !

Os tempos de Moçâmedes de antigamente eram cheios de histórias de família, famílias grandes, de muitos filhos , e portanto com a necessidade de vários empregados. Eram os mucubais os que mais procuravam emprego doméstico e portanto os que mais viviam dentro de nossas casas. Alguns deixaram recordações divertidíssimas precisamente pela tentativa de integração com nossos hábitos e cultura mas que, na verdade rapidamente superados. Eram dedicados e adaptavam-se bem ao trabalho doméstico . Adquiriam até afinidades, gostavam de coisas que acompanhavam nas nossas vidas, mas mantinham seus hábitos especialmente os alimentares.A dieta dos nativos resumia-se, pelo que sabíamos, a fubá, milho e mandioca. O peixe seco era introduzido já na alimentação em nossas casas.Não comiam carne.

Na cozinha, como cozinheiros, eram inquestionavelmente os melhores e sinceramente não sei como tinham tanta habilidade mas também realizavam muito bem outras tarefas caseiras como por exemplo tomar conta das crianças .

Minha amiguinha de infância Marilia, filha de meu padrinho não esquece sua primeira babá, Alice. Alice cuidou de Marilia e sua irmã por vários anos e era tanta a amizade entre elas que também o papai Noel de Alice aparecia no Natal na casa da família Trigo.

A lembrança do último Natal juntas ficou para sempre nas lembranças da Marilia: um copinho com um lindo bonequinho desenhado e uma escova de dentes, foi o presente do papai Noel de Alice.

Terá mais de 70 anos esta cena de Natal:

- “ meninas, esqueceram-se de procurar o presente do meu papai Noel. Ele saiu correndo de minha casa para deixar uma prenda aqui. Procurem atrás da camas do quarto das meninas.”

E assim foi. Foram até ao quarto e lá estava .

Nada ficou esquecido nesses anos com a boa Alice. Nem do namorado, por sinal tão apaixonado que corria riscos no trabalho para satisfazer às três: à namorada Alice e às duas meninas. Ele trabalhava como cobrador nos comboios numa época em que tinha de se pagar para ter acesso à gare.Pois então! Todas entravam de graça. Marilia e a irmã adoram ver a chegada e partida dos comboios e lhes valia o namorado da Alice. Ele tinha outro emprego que também lhes proporcionava tardes divertidíssimas : porteiro do campo de futebol .Mais uma entrada de graça. A casa dos meus padrinhos era mesmo em frente campo de futebol e até com uma boa visão para os jogos caso colocassem um banquinho à janela mas, desde que o namorado da Alice apareceu na vida da família era só atravessar a rua e entrar no estádio.

Outra empregada , a mucubal Ermelinda, deixou igualmente boas lembranças com suas estórias divertidíssimas.Um dia, minha madrinha pediu-lhe que fosse limpar a poeira do quarto , mais precisamente a mesa onde estava uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Recomendações e mais recomendações e lá foi a Ermelinda abanando a flanela amarela, sua fiel companheira. Mas naquele dia distraiu-se e a Nossa Senhora caiu-lhe das mãos. Partiu-se em vários pedaços, e portanto sem recuperação. Ermelinda entrou em desespero e queria morrer. Mucubais eram muito supersticiosos e começou a achar que não seria perdoada pelos patrões nem por Nossa Senhora . Como resolver aquilo? Era muito medo junto: medo da patroa e medo da Santa!

Tinha de encontrar uma maneira de escapar e foi então que lhe surgiu uma ideia genial; montou um cenário perfeito para desviar a atenção do ocorrido.

Viu as horas: hora do patrão sair do serviço e chegar a casa para o almoço. La vai ela rapidamente pegar o banquinho das meninas do poleiro à janela e logo depois correu para o quarto de arrumações para pegar uma corda. Olha para uma grande árvore no quintal e pensa:

-” é ali mesmo que vou dar cabo à vida”.

Foi só ouvir o jeep do meu padrinho chegar ao portão , subiu no banquinho e pôs a corda ao pescoço.

Mas não chutou o banquinho claro, e pelo canto do olho viu meu padrinho correr para ela enlouquecido.

Cena perfeita mas , na verdade sem convencer totalmente o resto da família pois já conheciam bem as “manhas” da mucubal Ermelinda que naquele momento se desmanchava a chorar que nem uma carpideira:

"perdoa patroa, perdoa".

” estás perdoada, Ermelinda. Descansa ,mulher” -disse minha madrinha

-“ e a Santa, como vai me perdoar, patroa?”- perguntou ela

-“ Não te preocupes. Eu me encarrego disso. Rezo uma Ave Maria também em teu nome e Nossa Senhora perdoa-te”.

E assim, o banquinho voltou lá para a janela da sala onde as meninas viam os jogos de futebol até a Alice conseguir um “santo”namorado porteiro do estádio.

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 10/11/2020
Reeditado em 10/11/2020
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