QUE OS DEUSES RECEBAM VANUSA

Abelardo, já com a vista cansada, ao invés de usar óculos, exigia um monitor cada vez maior, então quando se esvaíram as possibilidades, começou o tormento com o tamanho das fontes até não poderem ser configuradas, por também esgotarem-se as possibilidades.

Tocou o telefone e era ele, dizendo-se impossibilitado em trabalhar, pois o monitor não atendias as necessidades dele.

Está certo, estou indo até ai - Respondi eu!

De cara vi os óculos entre o monitor e o teclado. Laconicamente disse para que ele colocasse os óculos. Envermelhou e levantou-se, brabo esbravejou, e continuou relutando em pôr os óculos, até que acatou a recomendação.

Refiz as configurações até compatibilizar com o grau dos óculos que ele deveria usar.

Se ele estava brabo, eu mais ainda, então diagnostiquei o problema dele, o medo da morte. Óculos, cabelos brancos, rugas na pele, nos mostram que a vida está começando a crepuscular.

Assim eu me sentia, mas não coloria o cabelo, ele sim, eu não deixava e não deixo de usar os óculos, ele sim.

Hoje eu e ele estamos mais velhos e aposentados.

São os sinais da vida que se esgota. Passados mais de cinco anos que não o vejo, nem sei notícias dele, ainda lembro daquele diagnóstico que lhe dei sobre negar a altura de sua trajetória.

Neste 8 de novembro de 2020, me senti um pouco mais com a vista curta, os cabelos brancos e a pele enrugada, embora sejamos de gerações vizinhas eu e a Vanusa, a partida dela, tocou-me como se o meu monitor estivesse esperando uma versão mais atualizada.

Enfim, que os deuses a recebam!

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 08/11/2020
Reeditado em 08/11/2020
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