IDIOTISMO E NEGACIONISMO

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Uma das caraterísticas culturais mais marcantes desse século é representada pelo surgimento de um fenômeno conhecido com o nome de negacionismo, divulgado nos vários sites da net e proposto como verdade apta a desmascarar as mentiras de um complô urdido por poderosos desconhecidos.

Com efeito, já no final da segunda metade do século XX apareceram não poucos sujeitos negando que o holocausto tivesse realmente acontecido, mas foram amplamente desmentidos tanto pelas evidências históricas como pelos testemunhos dos sobreviventes e até de seus carnífices.

Por motivos evidentes, os governantes turcos tentam minimizar o genocídio dos Armênios e, na Itália, não faltam esquerdistas negando que também os partesãos comunistas cometeram atrocidades durante e, principalmente, depois da Segunda Guerra Mundial.

Em seguida apareceram os que negavam a esfericidade do nosso planeta, mas esses não passam de um movimento folclórico que nos faz apenas sorrir. Entretanto, quem nega a utilidade das vacinas, mesmo que não represente um perigo para a saúde pública, afirma algo que, potencialmente, pode abalar a confiança que a população tem com relação à medicina moderna. Com isso não quero dizer que todas as vacinas são uma benção, pois existe sempre o perigo de uma reação inesperada com graves consequências para o paciente, mas uma coisa é se arriscar para prevenir doenças que matam de verdade como, por exemplo, a Febre amarela; outra é tomar uma vacina contra uma simples gripe que, de regra, se resolve em poucos dias sem maiores problemas. De alguma forma, cabe ao cidadão escolher se pra ele é melhor correr o risco de adoecer ou de sofrer efeitos colaterais do medicamento.

Todavia, com a chegada da Covid-19 apareceu uma espécie muito perigosa de negacionistas. São os que afirmam que a pandemia não existe, que é uma invenção dos governos para amedrontar o povo e ter como dominá-lo melhor. Exemplos não faltam nem nesse Recanto, e de nada adianta mostrar a eles números, gráficos, imagens dos pavilhões hospitalares lotados de moribundos e as fotos de caixões amontoados nos cemitérios. Sempre irão alegar que são mentiras, que é uma fraude da mídia, um complô, e assim por diante.

Trata-se, de regra, de elementos da extrema direita, como comprovado pela participação, na Itália, desses grupos às insurreições violentas da semana passada. Às vezes, porém, participam também membros da área anarquista e da extrema esquerda. Em geral são pessoas jovens, agressivas, de sexo masculino: mais ou menos os mesmos que observo andando pelas ruas sem máscara. Se alguém se atrever a repreendê-los, a resposta pode ser extremamente dura!

Pessoas jovens que por motivos pessoais ou profissionais tiveram uma experiência direta da epidemia, tentam alertar os seus coetâneos sobre o perigo utilizando as redes sociais, mas são logo hostilizados, como aconteceu à médica italiana Adele di Costanzo, de 27 anos, que teve o azar de ficar doente ela mesma. É interessante e instrutivo ler o que ela contou numa entrevista a um dos mais importantes cotidianos:

«Durante a primeira fase houve terror na população, movido por algo que era desconhecido. Em seguida o medo transformou-se em uma espécie de tédio, principalmente nos mais jovens. A dificuldade de adaptação à dramática situação da pandemia acabou prevalecendo. Acho que houve um sentimento de autodefesa que levou à negação. O lockdown poderia ter sido evitado se as regras tivessem sido respeitadas». A médica, ainda positiva, acrescentou: «Sou uma pessoa que faz da prática de viver com saúde uma filosofia de vida: comer bem e com equilíbrio, e praticar esporte. Antes de 19 de outubro eu estava bem. Minha carteira de identidade diz que tenho 27 anos. Procurei lembrar e explicar no meu post [no Instagram] que o vírus não atinge só os idosos, não prejudica apenas alguns segmentos da população. Eu precisava de oxigênio, estou trancada em casa há duas semanas. O que eu escrevi? Que precisamos ter mais educação e respeito pelos outros»

A médica, que havia visto na mídia muitas imagens de jovens, todos sem máscaras, apinhados em festas clandestinas de Halloween, quis apenas alertar sobre o fato que não precisa ser velho para adoecer e que já havia visto até crianças de apenas dois anos de idade internadas na UTI. As respostas foram raivosas e uns negacionistas chegaram até a duvidar que ela fosse uma doutora; outros, mesmo aceitando essa evidência, a acusaram de esconder a “verdade” e de praticar “terrorismo sanitário”, assim como havia feito Donald Trump quando declarou que “os médicos ficam mais ricos quando alguém morre de Covid”.

Os negacionistas afirmam que, basicamente, morrem apenas pessoas muito velhas. Isso é só parcialmente verdade (no dia 09 morreu uma jovem de 21 anos), mas o fato que mais preocupa é que em muitas cidades, inclusive Milão e Roma, as UTIs já estão lotadas e quem estiver acometido por outras graves patologias fica sem atendimento, como a jovem assistente social Martina Luoni, de 26 anos, doente de câncer, mas que não pode ser operada por falta de vagas nos hospitais. Com o passar dos dias as cirurgias estão sendo fechadas, conforme aconteceu nos meses de março e abril. Destarte quem necessitar de operações urgentes não poderá salvar a sua vida.

Não é difícil se deparar com negacionistas da Covid, mas é fácil descobrir que se trata quase sempre de pessoas de baixíssimo nível cultural que vivem penduradas na net, aceitando qualquer teoria conspiratória sem se preocupar se as fontes são confiáveis ou não.

Tinha razão Umberto eco quando proferiu essas palavras: «As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel.»

Bom gostaria de encerrar essa breve crônica com uma notícia positiva, mas infelizmente tenho uma nada boa… Os cientistas descoriram que o coronavírus que havia infectado milhões de exemplares de visão europeu, principalmente nos criadouros da Dinamarca, sofreu uma mutação genética que pode tornar ineficaz qualquer tipo de vacina. Atualmente os pequenos mamíferos estão sendo sacrificados (17 milhões), mas um número ainda indeterminado de pessoas ficou contaminado. Tomara que esse novo perigo possa ser evitado, mas é evidente que enquanto houver negacionistas (movidos pela ideologia e não pela Ciência) tentando esconder o sol com a peneira, a sociedade sempre estará sendo ameaçada.

Por enquanto -a notícia é de hoje- a Ordem dos Médicos da Itália solicitou que o Governo decretasse um lockdown nacional em caráter de urgência, na esperança que isso possa evitar uma catástrofe de dimensões inimagináveis.

Naturalmente os negacionistas já começaram a berrar...