Conjecturações
Estávamos andando a beira do campo da universidade quando ela quebrou o silêncio.
- Meu maior problema com as pessoas em geral, é a essa ideia de que existe uma forma certa de se amar. Entende?
- Não exatamente.
- O que você não entendeu?
- Eu entendi o que você quis dizer. Só não entendi muito bem por que você falou isso agora.
- Acho que fiquei com essa ideia na cabeça desde uma conversa que tivemos sobre nossas vidas afetivas.
- Ah sim.
- Eu sempre tive esse pensamento de que eu queria viver um grande amor. Mas nunca quis que esse amor me limitasse, nem se transformasse numa gaiola.
- Em tese o amor é o oposto disso.
- Em tese, meu bem. Por que na real... na vida real mesmo, amor romântico se traduz em posse.
- E qual a alternativa?
- Não sei. Sinceramente eu não sei.
Ela parou e se sentou na arquibancada e ficou olhando pra o campo, onde algumas pessoas se exercitavam.
- E você viveu esse grande amor? – Falei ainda em pé, enquanto ela abria a bolsa pra tirar uma garrafa de água.
- Acho que sim. Acho que amei... mas foi uma vez só.
- Como você tem certeza? – Perguntei, me sentando do lado dela.
- Bem. Vivi umas coisas bem intensas no meu último relacionamento. Se não foi amor, não sei o que era.
- Mas e como você sabe que foi um grande amor, se você não tem medida de comparação?
- Ah menino. Sei lá. O fato é que por enquanto eu me sinto satisfeita com isso. Mesmo tendo acabado. Estou muito bem. Apesar de que às vezes me dá vontade de dormir e acordar ao lado de alguém. Mas em geral, isso vem atrelado a ter que dar explicações e satisfações. E disso eu estou bem de boa.
- Entendi.
- No fim das contas, acho que eu nasci pra ser sozinha. Nasci pra viver os momentos e não pra ficar pensando no que ainda não aconteceu. O presente já pesado o suficiente pra perder tempo pensando no futuro.
- Percebi isso em você desde o primeiro dia que falei contigo.
- E é?
- Você meio que deixa isso bem claro com suas atitudes. Até mais do que com palavras.
Ela parou pra avaliar o significado das minhas palavras, e tomou um gole de água.
- Eu acho que me acostumei com você me analisando. Gosto de ouvir sobre suas impressões.
- É que por você ser diferente de mim, você termina sendo uma boa medida de comparação.
- Como assim?
- Eu acho que quase sempre eu estou pronto pra viver o que você chamou de “um grande amor”. E também pra lidar com as consequências disso. Mas penso muito nas consequências também. E como vou lidar com elas. E por isso acho que termino vivendo pouco o momento.
- Você é um cara bem confuso. Mas essa confusão tem um certo charme.
Não respondi, pensando no que ela queria dizer com isso.
Ela pegou o celular e conferiu a hora.
- Porra. Meu ônibus passa em cinco minutos. Depois disso, a integração vai fechar. – Ela falou se levantando bruscamente.
- Dá pra chegar se você correr.
- Espero que sim. Vai dar os olhos da cara pra voltar de Uber.
Paramos de falar e corremos até o ponto de ônibus.
Chegamos ofegantes ao ponto, transpirando o álcool das cervejas que tínhamos tomado mais cedo. Ela colocou as mãos nos joelhos tentando recuperar o fôlego e falou quase sem ar.
- Eu não tenho mais idade pra isso.
Caímos os dois na risada.
Acho que ela não tinha estado tão linda aos meus olhos como naquele momento. Me perguntei os significado daquela realização.
Então o ônibus que ela esperava parou no ponto e as pessoas começaram a se apertar, tentando entrar primeiro.
Ela ficou por último.
Nos abraçamos e ela se afastou sorrindo.
Fiquei olhando enquanto ela subia as escadas, ainda ofegante.
O ônibus fechou a porta e ela se virou e me deu um tchau lá de dentro.
Quando o ônibus desapareceu da minha vista, voltei caminhando para o bar, enquanto as palavras que ela tinha me dito corriam pelo meu pensamento.
Eu precisaria ainda de mais algumas cervejas antes de voltar pra casa e pra o silêncio das minhas ideias e palavras que ela tanto gostava de ver jogadas no papel.