Eles estão sempre muito ocupados

Certa vez observei uma mulher atravessando a rua digitando no celular. Pode parecer uma cena não muito incomum para um cidadão moderno, mas além do risco de vida que a mulher corria estava chovendo muito. Ela atravessava a avenida sem se preocupar, sem olhar para os lados, sem se proteger. Nem sequer de um guarda-chuvas ela se lembrou.

Existe hoje em dia existe um movimento compulsivo em relação ao celular. Homens e mulheres acessam as redes sociais, colocam novidades, checam as mensagens a cada cinco minutos. Mesmo quando não há nenhuma mensagem. Lembrei do escritor polonês Zygmunt Bauman e do seu livro “Amor líquido”. Ele ressalta que o mundo virtual faz com que a gente pense que a vida real não existe. Se a gente está fora daquele fluxo verbal, a gente simplesmente não existe como pessoa. É como se a gente deixasse de ser uma alguém de carne e osso com família, trabalho, relações de amizade ou de amor.

Aí eu esbarro num problema que são aqueles contatos que se fazem o tempo inteiro de ocupados. Claro, eu entendo que ninguém fica o dia todo por conta de responder os outros. Falo de outra coisa. Gente que entre na vida da gente, mas nunca tem tempo pra gente. Você não pode marcar um café porque todos os finais de semana dele ou dela estão agendados com outras atividades ou outras pessoas. Ou seja, é como se você quisesse agendar uma reunião com o Papa ou com o presidente da república.

É como diz uma frase que vejo sempre nos ônibus de viagem: “Fale com o motorista o essencial”. Aquele amigo ou amiga não olha o Messenger, o DM do Instagram, o e-mail, o whatsapp. Ou quando olha não responde. Imagino talvez se não é por isso que tanta gente olha para o celular com tanta sofreguidão. Aquela menina da balada descobriu que sem mais e nem menos o contratinho da balada bloqueou o whatsapp dela, aquele rapaz descobriu que o amigo de infância silenciou o contato dele, eu estou saindo com uma colega da faculdade e ela está há três dias sem responder minhas mensagens. A lista de situações é infinita, mas tem sempre um que ignora e um outro que espera ansiosamente.

Hoje em dia parece que é chique se fazer de “ocupadinho”. Ao não responder uma mensagem eu me sinto importante, ao ignorar um e-mail fico em paz comigo, ao sair de uma conversa sem me despedir eu me sinto quase um astro de rock.

Eu tenho vontade de ser roteirista americano e criar uma comédia chamada “O procurado”. Seria um publicitário interpretado pelo Jim Carrey. Ele passaria o dia no trabalho, iria pra casa num apartamento classe média em New York, passaria o tempo livre ignorando e-mail e chamadas no celular. A ficha dele só iria cair quando ele levasse um fora da namorada interpretada pela Helen Hunt. O resto talvez um dia eu escreva.

Hoje só quero dizer que o vício moderno das redes sociais impede que a gente esteja inteiro em qualquer lugar do mundo. Estamos ocupados demais para dizer bom dia ao cliente, alienados demais para tomar uma cerveja com o amigo, almoçamos com os olhos na tela e enquanto isso a vida vai passando. Na verdade eu acho que estamos ocupado demais para viver.

Leandro Alves Pereira
Enviado por Leandro Alves Pereira em 05/11/2020
Reeditado em 05/11/2020
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