Lembro-me bem de seu rosto. Uma pele alva, aquele sorriso tão meigo.
Minha avó era bem alta, mas era frágil e feminina. Lembro dela velhinha com sua cabecinha branca, e uma coisa que se fechar os olhos eu sinto, é a maciez de sua mão. Mãos compridas, finas, com pele de criança.
Sempre eu pintava suas unhas com um esmalte chamado “Rosa-Rei”. Sentava, ajoelhada, tomando suas mãos entre as minhas e ela ficava conversando e contando histórias.
Ela era altiva, embora tivesse uma meiguice não só em seu olhar, como em seu rosto.
Ela me dava conselhos de “não andar atrás dos rapazes”, de “ser bem difícil, porque era assim que eles gostavam”.

Olhava para mim dizendo que quando ela assistia aquele seriado da “Freirinha Voadora” sempre lembrava de mim (dizia que eu era a cara da Sally Field).


O que eu gostava na vovó é que ela estava contando um caso e de repente comecava a rir que não parava mais,e tinha uma risada gostosa mas bem baixinha.

Era muito alta, mas movia-se com a graça e feminilidade. Era delicada nos gestos. Sempre muito cheirosa, adorava talcos, perfumes. Lembro que quando a visitava em Marília, eu entrava em seu quarto e ela dizia: “Abre aquela gaveta ali da minha cômoda, que eu comprei uns perfumes para você”.

Mesmo depois de casada, eu tirava uma semana de férias para visita-la em Marília. Passava o tempo todo com ela na cama (ela tinha depressão, e ficava sempre deitada) e ficavamos conversando. Eu a fazia rir muito.

Ficava perguntando muitas coisas do passado, e ela sempre me comparava com uma amiga que ela teve em Caçapava , que fazia mil perguntas, que tinha o apelido de “Doca”. Toda vez que eu deitava com ela, ela ria e dizia: “Deita aí, Doca”. E ria muito. Quando ela ria, praticamente movia o corpo, mas a sua risada era delicada e baixinha.

Eu ficava alisando seus cabelos branquinhos, segurando na sua mão. Adorava beijar seu rostinho tão macio e cheiroso.



Quando meu avô morreu em 1979, em 1980 fui passar uma semana com ela. Ela dormia no quarto com uma enfermeira.
E esta vez que eu fui, como meu avô já havia morrido, dormi com ela na cama de casal. A noite ouvia ela falando baixinho.
E eu perguntava: “Vó, com quem você está falando?” e ela dizia: “Com o Juquita, ele está perguntando se eu tomei meu remédio”.

Eu morria de medo, pois sempre tive medo desta parte de “espíritos” (risos).
Então eu ouvi um barulho na janela, como se alguém estivesse trancando, e ela disse: “Não se preocupe filha, é seu avô que está checando se tudo está fechado”. (E era mesmo o que ele fazia todas as noites...).
"O que vó, meu avôôôô? Ele morreu, Vó” E eu ficava apavorada embaixo das cobertas.

Os dois tinham uma ligação muito grande, tendo vivido juntos por 70 anos.

Misturando aqui um pouco minha avó com meu avô…. Ela tinha depressão, e meu avô, de manhã, sentava com ela no sofá, de mãos dadas, e lia o jornal “Diário Popular” (o jornal do "sangue"). Então ele começava: “Matou a mãe com duas facadas!”. E ela: “Ah!  Juquita, não me lê essas coisas!” E ele: “É para distrair você meu Anjinho”. Que distração, heim?

Anjinho para lá e para cá…. E assim iam os dois …

Uma coisa que sempre me comovia… Meu avô tomava Nescafé todos os dias depois do almoço. Era comum ele dizer: “Agora quero meu nesquinha”. ( a Nestlé vai ter que me pagar por essa propaganda!).
Então estávamos todos na mesa conversando, e meu avô fazia o “nesquinha” dele. Aí minha avó o seguia com o olhar e dizia baixinho para a gente: “Quer ver, ele sempre deixa o finzinho para mim!”. Lembro da minha angústia olhando meu avô com aquele medão dele esquecer dela. Mas era tão engraçado, ele tomava e automaticamente, mesmo conversando, parava no finzinho e dava a xícara para ela.

E ela olhava para a gente com aquele olhar orgulhoso dizendo: “Viu, não falei?” E eu respirava aliviada, porque ele dar a ela o finzinho do nesquinha era uma verdadeira prova de amor para a minha avó!

Tinha uma música que eu cantava, que me lembro um pedacinho… que ela pedia para eu cantar para ela quando ela estava deitada. . 

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Lembro que quando eu cantava, ela ficava olhando para o teto com um olhar sonhador… e aí dizia de novo baixinho: “Canta de novo, Inês?” O que será que essa música a fazia lembrar ou sonhar?

Ah vózinha querida, você foi o protótipo da avó: doce, meiga, cheirosa, gostosa, , sentada naquela cadeira de balanço, naquele vai-e-vem, sempre com aquele sorriso terno e aqueles braços sempre abertos para nós.
Que Deus a proteja sempre  e saiba que tenho lindas lembranças suas e a amo muito.

Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 04/11/2020
Reeditado em 04/11/2020
Código do texto: T7103753
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