Ponto de vista

Janela aberta, vista para a parede, sinto falta de ver a vida.

De dentro do quarto posso ver a luz através do vidro, da tela e da grade, são muitas as camadas que me separam da eternidade, a luz no fim do túnel permanece distante, embora eu consiga vê-la. A cortina faz a intervenção e sou presenteada com a penumbra dos meus piores pesadelos, seria aquela uma metáfora para a vida?

Diria que vivo metaforicamente, me habituei a ver a vida através de camadas, janelas, paredes ou até mesmo pelas lentes sujas do meu óculos, talvez por isso eu perca tantos detalhes, abafados pela minha "intensidade", ou exagero como alguns colocariam, ao ver o mundo.

Ainda na penumbra me questiono sobre o paradeiro dos meus prazeres, tenho perdido a vontade de fazer quase tudo, incluindo escrever, parece que estou correndo em círculos, estou cansada. O limbo de ansiedade, no qual me encontro, cala o meu espírito poético e revela uma face afetada, abatida, a única coisa me lembrando de que estou viva é o mofo nas paredes do quarto que me causa uma ardência nas narinas, me obrigando a respirar.

Antes de dormir invento narrativas baseadas na minha própria vida, substitui o amor e as histórias placentárias pelo conforto áspero que uma ilusão tem a me oferecer, nada como uma cortina momentânea para tapar a vista da minha janela, nada como uma grade que me impede de pular em busca de luz, em busca.

A parede continua estática, face a face com a janela, a tinta branca descascada e o lodo verde, me transmitem uma estranheza sádica, ao mesmo passo que me protege, me mantém limitada. Sempre quis morar de frente a uma rua movimentada, observando as coisas do alto, buscando conforto nas vidas paralelas a minhas.

É mais elegante fingir que sei o que estou fazendo, administrando a minha vida como faço com meus textos, quando dá. A vida é curta e o destino é certo, um dia vou atravessar a janela.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 04/11/2020
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