MEDITAÇÕES SOBRE O TEJO
MEDITAÇÕES SOBRE O TEJO
Nelson Marzullo Tangerini
Em 2015, pedi a meu amigo e irmão Nelson Maia Schocair para fazer o prefácio do meu livro “O professor e o poeta – Cartas de Carlos Drummond de Andrade a Nelson Marzullo Tangerini”, publicado pela Editora Autografia.
Após ler a crônica “Um livro de Alexandre O´Neill, presente de Drummond”, o professor e escritor me sugeriu que eu reservasse, ali, um espaço especial para o poeta Fernando Pessoa:
“Por que não publicar o texto sobre o Tejo, de Fernando Pessoa? Não crês que a menção a Pessoa mereça essa alusão poética? “
A crônica tratava do poema “O Tejo corre no Tejo”, do livro “Feira Cabisbaixa”, que O´Neill oferecera a Drummond e que Drummond, antes de sua despedida deste mundo, mo ofereceria – com autógrafo do português para o gauche de Itabira, e do itabirano para mim.
Embora a poesia de O´Neill retratasse o Rio Tejo, não havia espaço para que eu pudesse encaixar Pessoa naquele contexto.
O bilhete-sugestão de Schocair, também compositor, e dos bons, levou-me a outro caminho: escrever uma crônica sobre o Tejo, já retratado por Camões e Pessoa, indo, portanto, mais além de O´Neill.
Alongar-me-ia neste tema se fosse citar outros poetas que se viram diante deste rio mitológico para os portugueses e para a lusofonia, como o fez, também, a poeta brasileira Verônica Marzullo de Brito, minha mulher, que, inspirada pelo magno poeta, assim se refere às musas do Tejo:
“TÁGIDES
Doca fria,
Noite sem estrelas,
Lua suada a pingar no rio.
Elas surgem,
Sentam-se à margem.
Eles, exaustos,
Dormem nos barcos.
Olhares viscosos,
Horas sem rumo,
Suores frios,
Amêndoas salgadas,
Vinho rascante,
Sal e doce...
Pirilampos...
Amêndoas neon,
Olhares pastel,
Ondas ébrias...
Barcos em chamas.
Tágides e homens
Fazem amor.
Despertam os deuses
E fervem o Tejo.
Ao estar diante do Tejo, em 2002, no Monumento aos Descobridores e, também, no Restelo, onde um velho questionava, porque tantas mães deveriam perder seus filhos e noivas ficariam por se casar, para que o mar fosse português, visualizei as caravelas que levariam, para além-mar, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Macau, Brasil e Timor-Leste, a língua renascentista, “inculta e bela” de Luís Vaz de Camões.
A pedido do professor, segue, aqui, o poema de Alberto Caeiro, monumental poeta, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:
“XX
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe disso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele”.
Heráclito, filósofo grego, talvez o primeiro a meditar sobre o destino de um rio, deixou para nós, poetas, a tese de que um rio jamais seria o mesmo rio após suas águas correrem para seu destino final: o “Mar salgado” - que contém águas de Portugal.
O destino é o fado, lírica e sonora canção portuguesa que alimenta, ainda hoje, todos os nossos sonhos, como o corajoso desejo de navegar que “Os Lusíadas”, carregam no sangue , passando-o de geração a geração.
Navegar em direção ao desconhecido é livrar-se das amarras terrenas que nos impedem de buscar a liberdade. Navegar, hoje, é libertar-se, é despir-se do instinto colonizador. Navegar ainda é preciso. Porque a liberdade é mais precisa.