A pregação
Na calçada do oitão do antigo Cine Palace de Aracaju vi uma mulher magra e alta, ainda jovem, vestida em uma saia que alcançava seus tornozelos. Os cabelos ajustados na base do pescoço e presos por uma xuxinha. A blusa era, nem sei dizer... de tão inexpressiva... Nos pés, um calçado ainda mais inexpressivo. Nas mãos um exemplar da Bíblia.
Essa mulher aí do primeiro parágrafo estava parada diante de uma cega que fica naquele local esperando algumas moedas. A ceguinha não vê, mas tem as unhas pintadas. Na certa alguma filha ou neta é a manicure. Ela não tem instrução, leitura, mas a maneira dela, ali sentada em um tamborete, sugere ser aquela pedinte uma mulher de senso crítico e posições definidas. Ela "olhava" para a outra mulher diante de si, mantinha silêncio enquanto a bíblica criatura repetia sem parar: "A senhora precisa aceitar Jesus, aceite Jesus em seu coração. A senhora vai ver como é bom aceitar Jesus".
Quase me meto naquela cena surreal. Para mim é surreal, sim. Preferi seguir meu caminho pensando em algo tão sem razão de ser. Fiquei pensando com minha bolsa e não com meus botões, que já é uma expressão desgastada. Fiquei pensando...refletindo... procurando uma razão que justificasse aquela pregadora estar importunando uma senhora cega e pedinte. Foi então que me veio o pensamento: O melhor seria saber se aquela chata pastora de calçada já tinha sido aceita por Jesus que ela tanto oferecia à ceguinha.