VIDA ALHEIA.

Apertou a campainha, porta de ferro azul, metade de vidro, o consultório figura-se bem de frente de um restaurante Japonês. Ela olha para todos os lados, parecendo estar com muito medo, de pronto imaginei 'síndrome do pânico'. Ajeitou a máscara no rosto, corpo rente a porta, quase a derruba-la.

- Bom dia, eu tenho um horário marcado para as dez, com a psicóloga. Meu nome é Ana Vitória. Ela fala com o rosto colado ao interfone. A porta destranca-se e abre.

- Entre Ana, sente-se, fique a vontade, eu já faço sua ficha. Disse a recepcionista.

- Obrigada. Responde de cabeça baixa, voz trêmula.

Ela sentou-se no aconchegante sofá daquela modesta sala. Embora pequena, mas, muitíssimo decorada com flores e quadros de pinturas modernistas contrastando com outras pinturas famosas. Parece ser a primeira vez dela com a psicóloga, batucava com os dedos na capa do celular, parecia ansiosa, com um pouco de medo talvez, sem saber exatamente como se comportar. Imagino que eu seja a causa de parte de seu pânico. Eu também tenho hora marcada, sem que ela percebesse, eu a segui com certa distância, aproximei apenas quando chegou na clínica.

- É a primeira vez que você passa com a Fernanda?

Pergunta a secretária.

- Sim.

- Vou fazer sua ficha, é rapidinho.

- Tudo bem.

Ela passa os seus dados, endereço, Telefone. Olha as vezes para mim com certa desconfiança. A secretária, moça nova, bonita, de cabelos longos e negros, os olhos de um azul intenso, rosto pequeno, formoso, lábios cheios, perfeitamente desenhados, anota tudo no computador. Que mulher belíssima.

A moça sentou-se novamente, do seu lado esquerdo havia uma pequena mesa de madeira com várias revistas: Veja, Caras, revistas médicas entre outras. Ela pega uma qualquer, começa a folhear, passeando os olhos pelas figuras, sem ao menos prestar atenção no que está escrito, pernas cruzadas. Ela tenta se disfarçar toda sua ansiedade com a revista, o nervosismo e medo parecem aflorar, embora, para um psicólogo atento, observando-a, notará pelo modo de folhear revista após revista, sem ler nenhuma linha, certo desespero enjaulado pronto para sair. Por fora, uma fisionomia controlada, por dentro, todo o caos de uma possível vida à beira do abismo, ou não, quem sabe esse cronista da vida alheia esteja sendo precipitado demais em sua análise.

Talvez ela se considere à beira do abismo, assim como eu.

Muitos demoram para procurar ajuda, se depender unicamente da própria pessoa o absurdo do abismo parece ser a melhor opção.

Finalmente ela é chamada, ela entra na sala da psicóloga toda desconfiada, olha para mim uma última vez. Não ver os lábios da pessoa por trás das máscaras dificulta para fazer uma análise mais precisa das expressões faciais. Cinquenta minutos depois ela sai, discreto sorriso no rosto, sem as máscaras, exibe lábios carnudos, vermelho intenso, parece até uma atriz de novela. Ao passar por mim um pequeno aceno, um sorriso seguido de quase inaudível 'oi'. A mulher alta, cabelos negros, de olhos azuis, e lábios vermelhos, ela vai embora, quisera eu saber o mais sobre ela, mas, ela, é apenas Ana.

Eu sou apenas um observador, que também é observado, coleciono em minhas crônicas, aqui e ali, detalhes da vida alheia nesta interminável e massacrante pandemia. Nunca os psicólogos tiveram tanto trabalho.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 01/11/2020
Reeditado em 01/11/2020
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