Tantos Anos
           - Não Me Deixes



     1. Maravilhoso, assim posso chamar, o livro "Tantos Anos" de minha conterrânea Rachel de Queiroz, escrito em parceria com Maria Luíza de Queiroz, sua mana. 
     Releio-o, agora, aproveitando a calmaria da tal quarentena e o momento de saudade que, de repente, de mim se apoderou. Não sei bem por quê...Por que sou um nostálgico? É possível. 
     
2. Volto a "Tantos Anos", após adquirir o terceiro exemplar. Com os dois anteriores, aconteceu o seguinte: um, eu dei de presente a um amigo baiano apaixonado pelo Ceará e o outro desapareceu de minhas estantes. Algum cabeça-chata passou por aqui e o levou sem a minha permissão. 
     
3. Muito bem. Abre-se "Tantos Anos" e a primeira impressão é a de que Rachel resolvera escrever um livro de memórias.
     Mas, com a sinceridade que a distinguiu entre seus contemporâneos na arte de escrever bem e bonito, ela descarta essa possibilidade, reafirmando não gostar de memórias.
     
4. No capítulo dois, vejam o que ela declarou: " - Você sabe que eu não gosto de memórias. Nunca pretendi escrever memória nenhuma. É um gênero literário - será literário mesmo? - onde o autor se coloca abertamente como personagem principal e, quer esteja falando bem de si, quer confessando maldades, está em verdade dando largas às pretensões do seu ego - grande figura humana ou grande vilão".
     
5. E rematando: "O ponto mais discutível em memórias são as confissões, gênero que sempre abominei, pois há coisas na vida de cada um que não se contam. Eu, por exemplo, 'nem às paredes do quarto eu as confessaria', como diz o fado".
     Mas há tantas coisas de relembranças nesse  livro da Rachel que, de súbito, vira um livro de memórias. 
     
6. A gente, que é do Ceará, e, por isso, tem uma aproximação maior com a escritora de "O Quinze", constata fácil, que em "Tantos Anos", há muito da vida da querida escritora alencarina.
     Suas viagens, seus amores, suas amizades, figuras importantes com quem ela se dava, locais que frequentava, tudo isso e muito mais, ainda que en passant, está nas páginas de "Tantos Anos". 
     
7. Basta dizer que ele traz um capítulo especial, escrito por Rachel, dedicado à sua fazenda Não Me Deixes, no coração do sertão do Ceará, que conheci, vendo-a da janela da minha "maria fumaça", que me levava do Iguatu, minha cidade, para Fortaleza, nos idos de 1940. 
     O indiscutível é que, morando no Rio, Rachel voltava sempre ao sertão, ao seu Não Me Deixes,  para se deliciar e se divertir com as belezas do chão nordestino.
     
8. No livro, Rachel diz que uma carta da amiga Rosita, avisando-lhe "que o sertão estava lindo e os paus-brancos do pátio em flor, o verde cercando tudo, abertas as flores dos aguapés das lagoas e levando longe aquele seu perfume especial", a fez voltar a Não Me Deixes. 
     
9. E justifica sua decisão de retornar à sua fazenda com essa belíssima declaração de amor a Não Me Deixes, há pouco maltratada pela estiagem: "Não resisti, fui um pouco com medo - e deu certo. Lá realmente é o lugar. Cada volta minha é  um regresso. E sinto que lá é o meu permanente. O Rio é o meu provisório". 
     
10. Nessa maré de saudades que me arrasta a mergulhos no passado, eis que, de repente, me vi escrevendo sobre o livro "Tantos Anos", abrindo espaço nobre para lembrar a fazenda Não Me Deixes.
     
11. Há cearenses que nunca oviram falar sobre a fazenda da Rachel de Queiroz, no alto sertão da Terra de Iracema e José de Alencar.      E eu pergunto: será que a Não Me Deixes inda existe? Distante do Ceará, faz tantos anos, gostaria de saber.
     
12. Em Não Me Deixes, amigos, Rachel ouvia os passarins e brincava com os saguins, escrevia livros.
     Longe do ruído poluído da cidade do Rio de Janeiro, no seu tempo, ainda um bom lugar pra se morar. Era o Rio do Pão de Açúcar e do Corcovado.  O Rio dos morros sorridentes, cantarolantes e não o Rio dos morros conflagrados.
         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 31/10/2020
Reeditado em 01/11/2020
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