Cicatrizes
As cicatrizes que as pessoas nos deixam as vezes são tão profundas que somos capazes de nos perder dentro delas. E essa é a sensação que tenho. Quando eu tinha 8 anos passava algum tempo na casa da minha vó paterna quando voltava do piano, esperava mamãe lá até que ela buscasse minha irmã no coral e viesse me pegar. Vovó sempre tinha bolachas e fazia com que eu lanchasse juntamente com um copo de refrigerante. Numa dessas noites, esperando mamãe, decidi comer as bolachas no quintal, brincando com a cachorra de Vovó, nisso levei uma baita mordida na boca, ela só queria minhas bolachas mas aquilo me custou 10 pontos. Carrego essa cicatriz ate hoje, quase imperceptível, mas ela está aqui. Quando era questionada sobre como ganhei aqueles pontos não queria dizer o real motivo, inventava alguma história que parecesse real, simplesmente por sentir vergonha por ter sido tão inocente a ponto de comer e brincar com um cachorro ao mesmo tempo, mas eu não conseguia compreender que aquilo era só uma coisa de criança. Hoje, faço o mesmo. Quando me questionam sobre minha dor invento alguma história que não me faça sentir vergonha por ter sido tão inocente em ainda pensar e sofrer por você, o que eu não consigo compreender é que isso é só uma dor de não amor. Escondo cada cicatriz que você me deixou, engulo seco cada lágrima que cairia ao escutar teu nome. Não serão os dez pontos capazes de fechar a enorme ferida que se abre a todo tempo. Eu sofri e ainda sofro por não estar ao seu lado, por você ter arrancado toda a confiança que senti e que nunca pensei que me tiraria tão rápido, quanto aquela cachorra tirou a bolacha de minha boca. A verdade é que disfarço o doce amargo do teu desprezo, abrindo cada vez mais feridas e deixando mais cicatrizes que me fazem cada vez mais lembrar de você e a espera de que um dia você possa se tornar imperceptível, como a cicatriz de minha boca, mas ela ainda está aqui, já você, é uma mera ilusão.