Minha terra minhas gentes( os anéis e colares da Maria do Quico...)

A minha terra, Moçâmedes ao sul de Angola, era uma cidadezinha de rotina simples e descomplicada mas com gente muito especial que fez uma história linda.

A valorização da simplicidade e tranquilidade de uma cidade pequena nada tem a ver com a anulação da vida social. Pelo contrário! Em cidades pequenas, com vidas muito próximas umas das outras acumulam-se estórias e novidades de suas gentes.São realmente cidades de rotina mais lenta, mas onde a informação corre rápido pois todos se encontram com freqüência.O tédio nunca fez parte da vida daquele oásis lindo entre o mar e o deserto, a nossa Moçâmedes

Há prazeres que só quem nasceu em cidade pequena conhece, e entre eles o que é o passar de geração em geração no que há de mais tradicional e pitoresco.

Entre as boas lembranças está a “nossa” Maria do Quico, uma simpática senhora reconhecida por onde andava, que chegou a Moçâmedes já na idade adulta. Era casada em Portugal mas deixou o marido e aventurou-se sozinha para terras de África, Moçâmedes, e lá viveu até à sua morte em 1956.

Morava ao pé do Chico Pipas! De figura curiosa, usava saias franzidas até aos pés, avental, brincos compridos, vários cordões de ouro ao pescoço e lenço na cabeça tipo minhota.Fez a sua vida atrás de um balcão de bar muito simples localizado na periferia da cidade e que só servia negros. Além dessa taberna também era proprietária de uma pensão.Negócios simples, pequenos, mas muito lucrativos; um patrimônio que gerou grande segurança financeira . Constava-se que, devido à sua força de trabalho e à sua habilidade a lidar com negócios ( olho vivo como ninguém mais) fez fortuna e que possuía um bom dinheiro guardado em algum lugar.Duvidavam que estivesse num Banco pois na sua simplicidade com certeza não se permitia lá entrar, mas que o tinha, tinha!

Maria do Quico era uma forreta de " mão cheia" e economizava em tudo que podia, mas no que se referia ao negócio ela não fazia contas à esperteza e “dava as cartas".

Os negócios corriam bem e assim ela dava-se ao direito de ter pequenos luxos, desses que só as mulheres entendem: o dela eram anéis.Enchia as duas mãos de anéis com enormes pedras coloridas, um em cada dedo, mas só quando ia ao cinema.Era o cinema, o Cine Moçâmedes, que ela achava merecedor de um momento de elegância e "chiquê".

Sempre esperada nas sessões das estreias de sábado, levantava as mãos à chegada, e abanando os calores apresentava o bilhete . Entrada triunfal. Não havia que não visse aquelas belezas que, segundo vizinhos “bem informados” , eram comprados a um caixeiro viajante que de tempos em tempos aparecia com suas “imbambas” na sua velha bicicleta . Era tipo um “mochileiro” como é chamado nos dias de hoje.

Maria do Quico sentava-se sempre numa das poltronas da Platéia, cruzava as pernas, vestido um pouco acima do joelho e os dedos elegantemente pousados.Fosse filme que fosse, mas quem estivesse por perto só olhava para ao anéis da Maria do Quico.

No dia seguinte pulava da cama bem cedinho e lá voltava ela para a vida real e para o seu simples bar. Mais um dia de trabalho.Um olho na taberna outro na pensão. Realmente acordava com as galinhas pois nesse horário já tinha gente lhe batendo à porta para a pinga matinal.Oh, aguardente da boa! Se era!

Lidava bem com aquela gente toda mas teve de encontrar maneiras práticas de melhor resolver alguns problemas. Como era uma mulher só, sem marido, e não tinha um tempo controlado para atendimento no bar por vezes saía à rua para tratar de tarefas pessoais( diziam as más línguas que ia levar dinheiro ao esconderijo).

Ah, mas teve uma brilhante ideia! Ao sair deixava em cima do balcão um enorme olho de vidro, também comprado ao “seu”caixeiro viajante e dizia aos clientes:

-“ prestem atenção: eu preciso sair mas deixo meu olho em cima do balcão para tomar conta do bar. Ele fica no meu lugar.“

E assim era! Não havia quem fizesse coisa errada pois o olho da Maria do Quico olhava atentamente para eles e impunha respeito!

Mas, havia outro problema a resolver, e para tal Maria teve de comprar um papagaio ( provavelmente ao atencioso e bem fornecido caixeiro viajante). Naquela confusão de copos a mais e de equilíbrio a menos, os finais de noite eram complicados. Muito complicados , realmente , e especialmente para se acertar as contas com uma piela daquelas: os habituais freqüentadores já não faziam o “quatro” e viam tudo em dobro. Que carraspana ! Só mesmo a boa pinga da Maria para deixá-los naquele estado de felicidade.

O que ela fez? Teve uma ideia genial: comprou um papagaio e passou as tardes de domingo a treinar o bicho. Remédio santo! As palavras-chave a ensinar eram:

- “ já pagou, já pagou?”.

O papagaio aprendeu rápido, era esperto, não tivesse ele chegado pelas mãos do tal caixeiro viajante...

Então, Maria mandou fazer um poleiro muito bonitinho para papagaio num carpinteiro amigo( um dos pinguços), proprietário de uma pequena oficina de trabalho na Aguáda , logo ali perto do Mamedes à entrada da cidade , e colocou-o à porta do bar. O papagaio amou sua nova "casa" e ...problema resolvido. Conforme os pinguços iam saindo logo ouviam:

“já pagou, já pagou?”

Voltavam para trás,e prontamente perguntavam :

-“quanto é mesmo a minha conta, senhorita Maria?”-

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 30/10/2020
Reeditado em 18/11/2020
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