Crônicas de ontem e de hoje - 5
- Não posso ser mais pastor...
- Por quê?
- Não creio mais...
- Como assim?
- Ah, eu mergulhei mais profundo nos estudos de filosofia da religião e fui bombardeado pelo pensamento de Feuerbach, e...
- Não, não me refiro a isso. Não crer mais é normal e quase todo mundo não crê. Refiro-me a sua decisão de não ser mais pastor por causa dessa ninharia.
- Como ninharia, está louca? Eu sou o pastor! E não creio no que eu prego! Isso é terrível!
- E você acha que meu pai também não cria? E como é que ele conseguiu conduzir essa igreja por toda vida?
- Seu pai não cria? Não acredito, ele sempre foi referência de homem de fé...
- Entenda como quiser, mas papai não cria, mas ele era apaixonado pelo seu povo, pelas suas ovelhas. Ele me dizia que até mesmo Cristo duvidou, mas não abandonou o povo e sua missão.
- Sei, mas...
- Nada de "mas", meu amor, Feuerbach está morto, Nietzsche também, mas o povo vive, a fé vive e você precisa mantê-la acesa, por amor do povo.
- Entendo, mas eu preciso me distanciar um tempo...
- Sim, lembra da casa na serra do tio Oscar?
- Sim, seu pai costumava ir para lá sozinho quando queria orar, e... Ah, entendo agora porque ele ia para lá sozinho.
- Sim, deixa tudo comigo, arruma as malas e vou falar com a tia Sônia, a casa está desocupada. Vai para lá, por uma semana, só você e seus fantasmas. Quando voltar, recomece. Eu estarei aqui.