"odor di femina"(crônica)
Ia ser médico,mas passou no vestibular de Odontologia e foi se apaixonando pela profissão,a arte de deixar belas quaisquer bocas,de fazer a mágica de retirar uma das piores dores que o homem sente,porque afeta os nervos.Uma vez,eu soube de um soldadinho de plantão numa noite úmida e gelada de Juiz de Fora,que com um dente a necessitar urgente de tratamento de canal,suicidou-se posicionando a baioneta de baixo para cima no queixo álgico.Um a dor que tira a razão,ultrapassa os limiares de tolerância,explicava-me,numa madrugada.Meu pai me levara até ele,seu colega,porque meu siso-o dente do juízo,sentenciavam os mais velhos-estava acavalado no maxilar,fazendo doer olho e ouvido esquerdos,o trigêmio,eu pensava que ia enlouquecer de dor e nunca fui masoquista.De camisola de flanela e meias de tricô,pois estava gelada,a madrugada,fui chamar meu prestativo pai que se levantou de imediato,examinou-me a gengiva tumefata,deu-me comprimidos e ligou para o amigo major.A raiz,anômala ,fazia um arco e teve de ser raspada.
Para reduzir meus temores(horrores!),ele ia me contando histórias.Meu pai,sempre perto,de vez em quando externava suas opiniões,ou me dizia palavras confortadoras,tipo:"Daqui a pouco,o dente sai e tudo passa".
Eu,de olhos fechados,sugador na cavidade bucal,tentava manter a boca aberta,obedecer aos comendos:"Cospe","Enxuga"...O queixo e os maxilares já doloridos,pois a anestesia não queria pegar e eu já tomara muitas picadas até ele injetar uma troncular(é assim que se escreve?Relacionada a tronco?).E eu sempre fui alérgica a anestésicos,tive edema de glote,quase morro.Já extraí siso em hospital, e ainda assim,cercada de cuidados e ações prévias,ter hemorragia,etc.Hoje,há anestesias suaves e inóquas,mas naquela época...
O certo é que num dado momento,tudo terminou,como prometetra meu zeloso pai e fomos para casa.
Pela manhã,quando cheguei à copa,para tomar o café da manhã ,ouví papai dizer a mamãe que sim,não saíra de perto de mim.O tom era novo,cheio de mistérios.Quando me viram,despistaram.
Numa tarde,daquelas em que as filhas moças ,deitadas perto das mães amigas,ouvem e fazem confidências,obtive dela a razão.O dentista,dedicado e capaz,era muito mulherengo,papai contara a ela,que após encontros amorosos,ele não lavava as mãos.E,de pé com os amigos,na porta de uma lanchonete,enquanto olhava as mulheres passarem,de vez em quando,cheirava o indicador e suspirava,dizendo para eles:"Ah,o "odor di femina"...
-Ah,então foi por isso,contei a mamãe,(mesmo sem entender bem a atitude de meu dentista),que papai falou meio brincando com ele,ao chegar:"então,fulano,já lavou bem as mãos para colocar na boca de minha filha?"
Meu pai sempre foi muito brincalhão e eu,claro,pensei que ele se referia apenas a bons hábitos de higiene.O certo é que jamais fui àquele dentista paciente e capaz,sozinha.Quando ele morreu,muito tempo depois,contaram-me que a amante oficial,dizendo-se uma viúva, chorava tanto,que a esposa,inocentemente,a consolara,pensando que ela lembrava o marido morto e sem saber que o tal marido era o seu próprio...
Se o espírito do profissional ainda estivesse por ali,por certo estaria aspirando avidamente o odor de tantas "feminas" a chorarem,misturado ao aroma de muitas rosas e lírios,velas e batons,perfumes e ...tudo mais!
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Belo Horizonte,13/11/2005,13:42h13/11/2005 12h13
Ia ser médico,mas passou no vestibular de Odontologia e foi se apaixonando pela profissão,a arte de deixar belas quaisquer bocas,de fazer a mágica de retirar uma das piores dores que o homem sente,porque afeta os nervos.Uma vez,eu soube de um soldadinho de plantão numa noite úmida e gelada de Juiz de Fora,que com um dente a necessitar urgente de tratamento de canal,suicidou-se posicionando a baioneta de baixo para cima no queixo álgico.Um a dor que tira a razão,ultrapassa os limiares de tolerância,explicava-me,numa madrugada.Meu pai me levara até ele,seu colega,porque meu siso-o dente do juízo,sentenciavam os mais velhos-estava acavalado no maxilar,fazendo doer olho e ouvido esquerdos,o trigêmio,eu pensava que ia enlouquecer de dor e nunca fui masoquista.De camisola de flanela e meias de tricô,pois estava gelada,a madrugada,fui chamar meu prestativo pai que se levantou de imediato,examinou-me a gengiva tumefata,deu-me comprimidos e ligou para o amigo major.A raiz,anômala ,fazia um arco e teve de ser raspada.
Para reduzir meus temores(horrores!),ele ia me contando histórias.Meu pai,sempre perto,de vez em quando externava suas opiniões,ou me dizia palavras confortadoras,tipo:"Daqui a pouco,o dente sai e tudo passa".
Eu,de olhos fechados,sugador na cavidade bucal,tentava manter a boca aberta,obedecer aos comendos:"Cospe","Enxuga"...O queixo e os maxilares já doloridos,pois a anestesia não queria pegar e eu já tomara muitas picadas até ele injetar uma troncular(é assim que se escreve?Relacionada a tronco?).E eu sempre fui alérgica a anestésicos,tive edema de glote,quase morro.Já extraí siso em hospital, e ainda assim,cercada de cuidados e ações prévias,ter hemorragia,etc.Hoje,há anestesias suaves e inóquas,mas naquela época...
O certo é que num dado momento,tudo terminou,como prometetra meu zeloso pai e fomos para casa.
Pela manhã,quando cheguei à copa,para tomar o café da manhã ,ouví papai dizer a mamãe que sim,não saíra de perto de mim.O tom era novo,cheio de mistérios.Quando me viram,despistaram.
Numa tarde,daquelas em que as filhas moças ,deitadas perto das mães amigas,ouvem e fazem confidências,obtive dela a razão.O dentista,dedicado e capaz,era muito mulherengo,papai contara a ela,que após encontros amorosos,ele não lavava as mãos.E,de pé com os amigos,na porta de uma lanchonete,enquanto olhava as mulheres passarem,de vez em quando,cheirava o indicador e suspirava,dizendo para eles:"Ah,o "odor di femina"...
-Ah,então foi por isso,contei a mamãe,(mesmo sem entender bem a atitude de meu dentista),que papai falou meio brincando com ele,ao chegar:"então,fulano,já lavou bem as mãos para colocar na boca de minha filha?"
Meu pai sempre foi muito brincalhão e eu,claro,pensei que ele se referia apenas a bons hábitos de higiene.O certo é que jamais fui àquele dentista paciente e capaz,sozinha.Quando ele morreu,muito tempo depois,contaram-me que a amante oficial,dizendo-se uma viúva, chorava tanto,que a esposa,inocentemente,a consolara,pensando que ela lembrava o marido morto e sem saber que o tal marido era o seu próprio...
Se o espírito do profissional ainda estivesse por ali,por certo estaria aspirando avidamente o odor de tantas "feminas" a chorarem,misturado ao aroma de muitas rosas e lírios,velas e batons,perfumes e ...tudo mais!
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Belo Horizonte,13/11/2005,13:42h13/11/2005 12h13